4.26.2011

Entrevista: Jair Naves

Em 2010, o músico Jair Naves lançou um dos discos mais elogiados pela crítica e que também obteve uma ótima recepção por parte do público. O disco em questão é o EP Araguari, que traz quatro belas músicas, com uma sonoridade bem diferente do antigo grupo de Jair Naves, o Ludovic. Nesta entrevista o músico comentou sobre os projetos para 2011, a recepção ao disco Araguari e as músicas novas, os motivos que levaram o fim do Ludovic e muito mais. Boa leitura. 

O EP Araguari foi bastante elogiado pela crítica no ano passado, 2010. Como foi a aceitação do público ao disco e nos shows?
A recepção foi ótima, chegou a ser surpreendente. Quero dizer, eu sempre tive muita confiança nesse disco, não tenho dúvidas de que é o meu melhor trabalho entre tudo que eu já fiz, mas a princípio eu achei que as músicas eram pessoais demais e que eu corria um sério risco de que as pessoas não enxergassem a si mesmas naquilo que eu estava cantando. Para a minha felicidade, ocorreu o oposto disso. Tivemos críticas excelentes, o EP entrou em diversas listas de melhores discos do ano e a cada dia nosso público parece aumentar. 

Na primeira música do disco, Araguari I (meus amores inconfessos), há um sample de um diálogo do filme O caso dos irmãos naves. Há algum grau de parentesco entre você e os irmãos do filme?
Essa foi uma questão que me intrigou durante muito tempo. Embora eles tivessem o mesmo sobrenome que eu e fossem da mesma cidade que a minha família paterna, demorou para que eu conseguisse apurar qual ligação existia entre Joaquim e Sebastião (os tais “irmãos Naves”) e eu. Recentemente consegui descobrir que eles eram primos da minha avó, mas de qualquer maneira, não é algo tão importante assim. Mesmo que o nome fosse apenas uma coincidência, o simples fato de eles terem passado pelo que passaram, justamente na cidade em que eu vivi alguns dos melhores momentos da minha infância, já seria o bastante para que eu me sentisse na obrigação de mencionar o episódio de alguma forma.
Conte-nos sobre o enredo do filme e como você teve contato com ele.
Para quem não sabe, “O Caso dos Irmãos Naves” é o maior erro judiciário da história do Brasil. Resumindo muito brevemente, os dois irmãos foram acusados de serem os autores de um assassinato que nem sequer aconteceu e sofreram as torturas mais monstruosas que se pode imaginar para que confessassem o crime. Esse se tornou um episódio emblemático da era da ditadura de Getúlio Vargas, e em 1967 saiu o filme dirigido pelo Luís Sérgio Person. 

Quando eu vi o filme pela primeira vez, foi um choque muito grande. Não só pela história em si, mas especialmente por se passar em Araguari e em grande parte devo ao filme a inspiração para escrever músicas sobre a cidade. 

Araguari I (meus amores inconfessos) tem uma letra nostálgica e reflete sobre a sua volta à Araguari, sua cidade natal. Você atualmente vive lá? O quanto foi importante este retorno para a sua carreira?
Não moro em Araguari. Passei catorze anos sem visitar a cidade, só voltei em janeiro de 2011, quando fizemos um show por lá. Os versos dessa música são muito metafóricos, não devem ser levados ao pé da letra. Não gosto muito de explicar o significado das minhas letras, mas essa música é basicamente sobre confrontar-se com a pessoa que você foi no passado e ver o quão transformadora é a ação do tempo. 

Ainda sobre esta primeira faixa do disco, nela você canta os seguintes versos: “Mas eu sinto saudades da nossa banda / de cada palco em que eu pisei / de cada nota que eu cantei”. Estes versos são sobre o Ludovic certo? Você ainda sente saudades do grupo? O que levou ao fim da banda?
Esses versos são inegavelmente sobre o Ludovic, mas essa não foi a única razão para que eu os escrevesse. Percebi que muitos dos amigos que eu fiz no mundo da música desistiram de suas carreiras na medida em que ficavam mais velhos, como se fosse uma prática incompatível com a chamada “vida adulta”. O curioso é que eu percebo em todos eles, invariavelmente, uma nostalgia imensa, senão certa amargura. Pareceu-me apropriado falar disso nessa música em especial. 

As causas que levaram ao fim do Ludovic não são muito diferentes das que levam muitas bandas a encerrarem suas atividades: desgaste nas relações entre os músicos, a falta de dinheiro, divergências artísticas, enfim, nada original. Reconheço que foi uma etapa importantíssima na minha formação artística e profissional, mas eu não tenho saudade. 

Você toca algumas músicas do Ludovic nos shows?
Não.
Silenciosa foi à primeira música do EP a ter um videoclipe, que também foi o primeiro de sua carreira solo. Como foi feita a gravação e quem são os produtores do clipe?
A gravação foi feita em duas ocasiões diferentes: uma em julho de 2010, outra em dezembro do mesmo ano. Ficamos muito tempo tentando chegar a um resultado final apenas com as imagens obtidas no primeiro dia. Quando chegamos à conclusão de que esse material não seria suficiente, fizemos uma segunda diária. Quem dirigiu o vídeo foi a Danila Bustamente, com o auxílio da Bárbara Gondar e da Patríca Caggegi. Não fosse a insistência da Danila, provavelmente eu teria desistido do projeto. O clipe só existe por causa dela.
Em minha opinião, Silenciosa é a melhor música do disco. Possuindo versos e melodias tristes, porém, muito bonitos. Como surgiu esta bela canção?
Obrigado pelas palavras, é uma das minhas preferidas entre tudo que eu já escrevi até hoje. O engraçado é que “Silenciosa” foi uma das composições que eu fiz mais rapidamente desde sempre, a música ficou pronta em uma noite. Sobre como ela surgiu, bem, acho que a letra é bem auto-explicativa. 

Como é o seu processo de criação das músicas e das letras?
Não existe uma regra, cada música aparece de uma maneira. Geralmente eu faço a parte instrumental, defino a melodia de voz, trabalho no arranjo com os músicos e só depois consigo colocar os versos definitivos. As letras sempre são a última etapa, a parte do processo de composição com que eu mais me preocupo e mais gasto tempo.
Quem são os músicos que estão te acompanhando nos shows? São os mesmos que gravaram o disco?
A minha banda é formada pelo Alexandre Xavier (piano), Daniel Guedes (guitarra e voz), Helena Duarte (baixo e voz) e Mark Paschoal (bateria e voz). Deles, apenas o Alexandre e o Mark participaram das gravações do EP. Na verdade, exceto os instrumentos que os dois tocam, eu gravei praticamente todo o resto do instrumental, já que na época eu ainda não tinha uma banda formada. Outros músicos também fizeram participações: o Danilo Sevali do Hierofante Púrpura, o Fernando Coelho do Seychelles e do Mamma Cadela, a Júlia Frate e a Tereza Miguel, que foi quem produziu comigo o disco. 

No EP Araguari, uns dos principais destaques são os belos vocais da cantora Júlia Frate. Como você a descobriu? Por que ela não está nos shows?
A Júlia é um achado, uma das minhas vozes preferidas. Ela é namorada do Alexandre, nosso pianista. Quando estávamos finalizando as músicas do EP, ele comentou que ela cantava muito bem e que deveríamos experimentar a voz dela nas composições. No fim das contas, nossas vozes combinaram perfeitamente. Devo muito a ela, tenho certeza de que as músicas não seriam as mesmas sem a sua participação. 

Ela fez os três primeiros shows da turnê de divulgação do EP conosco. Logo depois disso, ela passou um bom tempo fora do Brasil e só voltou há alguns meses. Espero poder voltar a trabalhar com ela algum dia. 

Algumas das principais diferenças entre este seu novo trabalho e o Ludovic são os arranjos, que valorizam mais as partes acústicas e também parecem ser mais elaborados. Sua voz também está mais grave, dando um clima mais soturno e sentimental às músicas. Esta mudança foi proposital ou uma conseqüente evolução?
Um pouco dos dois, acho. Depois que o Ludovic acabou, eu decidi que só voltaria a fazer música se fosse algo com uma proposta radicalmente diferente. Eu estava determinado a não soar como uma repetição da minha antiga banda. Para tanto, pesquisei muito, voltei a estudar música e pensei em como eu faria para conseguir surpreender quem já conhecia meus trabalhos anteriores.
Quais são suas principais influências e o que você tem ouvido ultimamente?
As perguntas sobre influências são sempre as mais difíceis. Eu poderia listar uma série de artistas que eu admiro e respeito, mas isso não significaria necessariamente que eu sofro influência direta de todos eles. Até porque não são só canções que me influenciam, mas também filmes, livros, poemas, conversas, acontecimentos banais... Enfim, é um ponto complicado. Sobre artistas que eu tenho escutado recentemente, eu voltei a ouvir a Patti Smith, há alguns anos não consigo desgrudar do primeiro do Fleet Foxes, gostei muito dos discos do James Blake e do Warpaint e redescobri o “Revolver” do Walter Franco. 

Em sua última passagem pelo programa Showlivre, você executou uma série de músicas novas. Já teve algum retorno do público com relação a essas novas canções? Como tem sido?
O retorno que tivemos dessa apresentação no Show Livre também foi uma surpresa inacreditável. Pela excelente qualidade técnica e pelo fato de termos tocado muito material inédito na ocasião, esse registro acabou virando um bootleg por iniciativa dos fãs. Até por isso, acho, agora as pessoas também cantam essas músicas novas nos shows, o que nos dá ótimas perspectivas para as músicas que estamos preparando para o próximo disco. 

Quais são os planos para este ano de 2011?
Fazer o maior número de shows possível e levar nossas músicas para pessoas que ainda não às conheçam. E terminar o disco novo, minha maior preocupação no momento. 

Obrigado pela entrevista Jair Naves. Deixe uma mensagem para as pessoas que leram a entrevista.
Eu é que agradeço a você, Flávio. Nos vemos por aí, espero. 

Ouça as músicas do EP Araguari no site: http://www.myspace.com/jairnaves