No dia 15 de Outubro de 2006, Patti Smith realizou o último show da história do CBGB & OMFUG (Country, bluegrass, blues and Other Music For Uplifting Gormandizers), lendário bar localizado no bairro do Bowery, em Nova York. Hilly Kristal, dono do CBGB, lutava contra o despejo desde 2005, devido a falta de pagamento do aluguel do espaço.
Naquela época, Bowery era considerado um bairro decadente da ilha de Manhattan povoado por mendigos e prostitutas. Mas hoje, é um local mais valorizado, com aluguéis mais caros e pessoas mais chiques, o que fez com que os proprietários dos prédios passassem a cobrar aluguéis com valores muito mais elevados dos que eram cobrados no início da década de 70.
Pessoas importantes para a história da casa, como Tommy Ramone, Debbie Harry do Blondie e Steven Van Zandt, guitarrista do Bruce Springsteen, chegaram a criar, em 2005, uma campanha chamada Save The CBGB, com o objetivo de tentar arrecadar fundos para ajudar Kristal a pagar as dívidas. Infelizmente não deu certo e uma era chegou ao fim. A casa foi o palco onde surgiram nomes como Ramones, Blondie, Talking Heads e Television. O CBGB pode ser considerado o berço do punk rock e da new wave americanos.
A última semana do clube foi marcada com uma série de apresentações de bandas que começaram suas carreiras realizando shows no local. Os primeiros foram do Bad Brains, grupo de hardcore formado no final da década de 70, formado exclusivamente por negros. O Bad Brains é originário de Washington D.C, mas se mudou para New York no início da década de 80, onde realizaram diversos shows pelos bares da cidade, incluindo o CBGB. Eles tocaram nos dias 9, 10 e 11, ao lado do Avail, Bouncing Souls, Underdog e Stimulators.
Na sexta, sábado e domingo os shows foram dos grupos que começaram suas carreiras na mesma época que o CBGB surgiu. Na sexta, a principal atração foi o The Dictators, que também tocaram no sábado, mas como coadjuvantes da apresentação acústica de Debbie Harry e Chris Stein, ambos do Blondie. No domingo e último dia de shows, Patti Smith foi a principal atração e teve participações especiais de Flea, do Red Hot Chilli Peppers, e Richard Lloyd, do Television. Patti fugiu um pouco da filosofia da casa, e tocou clássicos que fizeram a história do CBGB como: The Tide is High, do Blondie, Sonic Reducer, dos Dead Boys e um medley de músicas dos Ramones.
O CBGB & OMFUG surgiu no início da década de 70, mais precisamente no ano de 1973 e tinha como principal objetivo ter shows de Country, bluegrass e blues, como sugere o próprio nome. Hilly Kristal só permitia shows de grupos que tocassem músicas próprias e, com o passar do tempo, passou a apostar nas bandas que estavam surgindo em Nova York. Elas tinham uma sonoridade mais primitiva, um som mais direto e cru, diferente do que rolava no início da década de 70, em que as bandas mais famosas estavam em uma onda mais psicodélica e progressiva.
No início, o público dos shows era formado, na grande maioria, por músicos que tocariam no mesmo dia. Os shows dessas bandas eram semanais e Hilly teve a idéia de realizar alguns festivais com esses grupos que estavam sempre tocando no bar. Com isso, aos poucos, o público foi crescendo e algumas apresentações passaram a ter lotação esgotada.
O Television se tornou o primeiro grupo dessa geração punk e new wave de Nova York a tocar no CBGB, quando realizaram um show em março de 74. No mês de agosto foi a vez do Angel & the Snakes, fazer a sua estréia no local. Mais tarde eles passariam a ser conhecidos como Blondie e se tornariam um dos principais grupos da new wave americana.
Foi neste mesmo mês de agosto, no dia 16, que os Ramones fizeram sua primeira apresentação no CBGB, surgindo como algo totalmente novo e diferente do que estava rolando musicalmente na época. Os Ramones foram a principal banda a levar o clube a ter a importância que tem nos dias de hoje. As históricas apresentações dos quatro garotos de Forest Hills, no Queens, atraíam cada vez mais público para os shows, chamando ainda mais a atenção para aquela nova cena musical que nascia em Nova York.
Para muitos, os shows mais lendários no CBGB naquela época foram os dos Ramones. As músicas raramente passavam dos dois minutos e, conseqüentemente, as apresentações eram muito curtas, o que obrigava a eles terem que repetir algumas músicas durante o set. Outro fator marcante era a pouca sincronia entre os acordes que cada integrante tocava e a semelhança entre as músicas. O que permitia saber o fim de uma canção e o começo de outra era a clássica contagem do one, two, three, four, eternizada por Dee Dee Ramone. As constantes discussões no palco para decidirem qual seria a próxima canção também fazia parte das apresentações do grupo.
No início da década de 80, a cena que manteve o clube vivo foi o hardcore underground de Nova York, com bandas como Bad Brains, Agnostic Front, Sick Of It All, Gorilla Biscuits e Youth of Today. Nessa época havia uma matinê aos domingos e que era conhecida como Trash Day. A festa começava à tarde e terminava antes das 10 horas da noite. Os ingressos eram sempre muito baratos.
Mas no final dos anos 80 a casa deixou de realizar shows de hardcore e punk por causa da extrema violência dentro e fora dos shows. O que fez com que se abrisse um espaço maior para bandas de rock alternativo como Sonic Youth e Living Colour, que também fizeram apresentações memoráveis por lá.
A partir dos anos 90, o CBGB passou a abrir espaço para todos os estilos musicais, sem apresentar nenhum tipo de regra para permitir ou não o show de um determinado grupo. Mas mesmo assim, o público e as bandas de hardcore e punk rock continuaram a serem os principais freqüentadores da casa até o último show realizado no dia 15 de Outubro.
Após o fechamento do CBGB & OMFUG, na 315 Bowery, na Bleecker street, em Manhattan, Hilly Kristal pretendia levar o bar para Las Vegas. Mas ele veio a falecer no dia 28 de agosto de 2007, fato que decretou também o fim da história de um dos maiores templos sagrados do Rock. Foram 33 anos valorizando a originalidade e criatividade dos músicos, e não apenas a técnica. O CBGB & OMFUG foi um bar que, originalmente, não pretendia ter qualquer tipo de ligação com o Rock, mas que acabou sendo um dos principais responsáveis por levar ao público bandas que iriam revolucionar a indústria musical da segunda metade da década de 70. O CBGB tinha o espírito punk, ates mesmo de o termo definir toda uma forma de cultura seguida por milhares de pessoas em todo o mundo.
2 comentários:
Muito bem escrita a matéria! Parabéns! Tive o prazer de conhecer o CBGB nos anos 90 e realmente a energia alí era única. Agora virou loja do estilista Tom V.
Templo do punk...RIP!
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