11.24.2010

Paul McCartney – Estádio do Morumbi – 21/11/2010

Sabe quando você acorda cedo, quer voltar a dormir, mas uma ansiedade toma conta de você, algo que lhe diz pra levantar logo, porque aquele será um dia especial, um dos melhores da sua vida? Então, foi assim que eu me senti quando acordei neste último domingo, dia 21 de novembro de 2010, quando acordei em São Paulo. O mesmo deve ter acontecido com diversos outros fãs também. A ansiedade era grande porque neste dia iria presenciar o show de um dos maiores artistas do último século, Paul McCartney, compositor de algumas das mais lindas músicas já feitas em toda a história da música.
Esta não é a primeira vez que Macca vem ao Brasil. A primeira passagem do ex-beatle pelo país foi em 1990, quando tocou para 184 mil pessoas no Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro. Público recorde em uma apresentação de um artista solo. Em 1993 Paul voltaria ao Brasil para duas apresentações, uma no Estádio do Pacaembu em São Paulo e outra na Pedreira Paulo Leminski, em Curitiba.
Nesta terceira passagem pelo país, após 17 anos, Paul não tocou no Rio de Janeiro e nem em Curitiba, mas realizou um show na cidade de Porto Alegre, no dia sete de novembro, no Estádio Beira-Rio e mais duas apresentações em São Paulo, nos dias 21 e 22 de novembro, no Estádio do Morumbi. Além do Brasil, Paul McCartney também fez shows em Buenos Aires, na Argentina, nos dias 10 e 11 de novembro, no Estádio do River Plate.
No início da tarde os arredores do Estádio do Morumbi já começava a ficar cheio de fãs à espera da abertura dos portões, que estava marcada para as 17h30min. Neste horário as filas já estavam grandes, mas não houve problemas ou confusões, apenas os mesmos acontecimentos de sempre em shows desse tipo no Brasil, mal educados querendo furar fila, falta de organização das mesmas e policiais mais preocupados em assustar e pegar mercadorias de pessoas que estão apenas tentando trabalhar do que impedir a venda de ingressos pelos cambistas ou impedir que bandidos cobrassem valores exorbitantes por uma vaga de estacionamento na rua. Também houve uma demora maior na abertura dos portões da pista, pois a fila só começou a andar mesmo por volta das 19h. Mas, a princípio, não houve qualquer tipo de problema para a entrada do público.
Às 21h o Estádio do Morumbi já estava completamente tomado e a ansiedade começava a aumentar a cada minuto que se passava. Era pouco mais de 21h30min quando as luzes se apagaram e o estádio passou a ser iluminado apenas pela luz da bela lua cheia que estava no céu aquela noite. A euforia passou a tomar conta dos presentes e quando os primeiros acordes e versos da introdutória “Venus and Mars” começaram a ser executados por Paul McCartney e banda, sendo seguida por “Rock Show”, a felicidade podia ser vista nos rostos de cada um dos presentes que estavam próximos. Estas duas músicas também deram início aos shows de Paul em Porto Alegre e o primeiro em Buenos Aires.
Na sequência veio “Jet”, música presente em “Band on the Run”, melhor disco dos Wings, grupo que Paul formou com sua esposa Linda após o fim dos Beatles. Um rock de levantar qualquer arena. “All My Loving” foi a primeira dos Beatles a ser executada e arrancou lágrimas desse que vos escreve, assim como “The Long and Widing Road”, uma das músicas mais belas de todos os tempos. Mas antes desta ser executada, teve-se ainda: Letting Go, Drive my Car (grande Rock´n´Roll dos Beatles), Highway e Let me Roll It, em que a banda executou “Foxy Lady”, um dos grandes clássicos de Jimi Hendrix.
Após as músicas “1985” e “Let me In`”, Paul McCartney volta ao piano para a execução de “My Love”, talvez a mais bela balada dos Wings. Outra de fazer lágrimas rolarem. Antes de começar esta música ele diz: “Está música eu compus para a minha gatinha Linda, mas hoje ela é dedicada a todos os namorados”. Sim, ele falou tudo isso em português, assim como quase todos os outros diálogos dele com o público. Aos 68 anos, Paul McCartney mostrou que está em ótima forma no palco e que é um grande showman.
Depois deste belo momento do show vieram três grandes clássicos dos Beatles, “I`ve Just Seen a Face”, “And I Love Her” e “Blackbird”. A segunda homenagem da noite aconteceu em “Here Today”, música lançada em 1982 e que Paul compôs em homenagem a John Lennon, que havia sido assassinado dois anos antes. O amigo com quem formou a maior parceria de composição de músicas no último século voltaria a ser homenageado mais a frente, quando o Paul e banda tocaram “A Day in the Life” seguida do refrão de “Give Peace a Chance”. É emocionante ver mais de 60 mil pessoas cantando um dos maiores hinos pacifistas do mundo. É esse tipo de momento que te faz acreditar que o mundo ainda poderá ser melhor, sem guerras, sem fome, sem violência, sem preconceitos...
Em seguida a banda executou a música “Dance Tonight”, presente no último disco solo de Paul, o bom Memory Almost Full, de 2007. Esta, junto com “Highway” e “Sing the Changes”, foram às únicas gravadas por Macca nesta última década que estiveram presentes no set list, que priorizou a carreira do músico durante as décadas de 60 e 70 e que, curiosamente, não teve nenhuma música gravada por Paul nas duas décadas seguintes, 80 e 90.
A próxima música, “Mrs. Vandebilt”, foi lançada no disco “Band on the Run”, dos Wings, em 1973. Apesar de ser uma boa música, soar muito bem ao vivo e ter um clima agitado e divertido, com melodias que lembraram canções do Leste Europeu, ela nunca havia sido tocada em um show de Paul antes de 2008, quando foi executada em Kiev, capital e maior cidade da Ucrânia, após vencer uma votação na internet. A partir de então, ela nunca mais saiu do set list.
“Eleanor Rigby” veio em seguida, sendo executada apenas pelo tecladista Paul Wickens e por Paul McCartney no violão, com os outros integrantes do grupo fazendo os backing vocals. Ela abriu caminho para outra grande homenagem da noite, ao ex-companheiro de Beatles, George Harrison. Macca trocou o violão por um Ukelele (instrumento parecido com o violão e muito utilizado nas músicas nativas havaianas) e tocou mais uma das mais belas canções dos Beatles, “Somethig”, composta por Harrison. Outro momento especial e inesquecível, que emocionou o público.
Um dos maiores hits de Paul McCartney na fase pós-Beatles, “Band on the Run”, veio após “Sing the Changes” e foi à última música dos Wings na noite, que ainda estava longe de acabar, para a alegria de todos os presentes.
Após estas músicas, teve-se o início do desfile de clássicos dos Beatles. A primeira foi “Obla Di Obla Da” que, particularmente, não acho que seja uma das melhores do quarteto de Liverpool, mas funciona muito bem ao vivo, com uma levada bem animada e dançante. O rockão “Back in the U.S.S.R” veio logo depois, levantando ainda mais o público no Estádio do Morumbi. Em seguida ainda vieram “I`ve Got a Feeling”, “Paperback Writer”, “A Day in the Life” e Let it Be”. A sequência de clássicos dos Beatles só foi interrompida para a execução do hit “Live and Let Die”, que emocionou o público e Paul McCartney, que ao final da música ficou parado, diante de seu piano, observando o público como se não estivesse acreditando no que estivesse vendo, logo ele, tão acostumado a tocar para as maiores platéias do planeta. Encerrando a primeira parte do show, “Hey Jude”, que fez com que todos cantassem juntos o belo e simples refrão.
No primeiro bis os destaques ficaram por conta de “Get Back”, com os ótimos solos de guitarra e piano. Uma das músicas mais pesadas gravadas pelos Beatles. Antes dela teve-se ainda “Day Tripper” e “Lady Madonna”. Esta última poderia ser facilmente descartada para a entrada de músicas como “Penny Lane” ou “Magical Mystery Tour”, que inclusive fez parte do set list dos segundos shows de Buenos Aires e São Paulo.
Mas, opiniões particulares à parte, o segundo bis veio logo na sequência, com um intervalo bem curto entre um e outro, e teve início com a mais bela canção já composta por Paul, “Yesterday”. Depois veio “Helter Skelter”, com riffs pesados de guitarra e vocal rasgado de Paul. Esta música é considerada por muitos como precursora do Hard Rock e Heavy Metal, estilos que se tornariam populares na década de 70. As duas últimas músicas deste grande espetáculo foram “Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (Reprise)” e “In the End”, que encerraram de forma espetacular um show que teve aproximadamente três horas de duração. Nada mau para um senhor de 68 anos que, mesmo após várias décadas tocando em estádios, ainda se emociona com o que faz.




SET LIST
01. VENUS AND MARS / ROCKSHOW - Venus and Mars 1975
02. JET - Band On The Run 1973
03. ALL MY LOVING - With The Beatles 1963
04. LETTING GO - Venus and Mars 1975
05. DRIVE MY CAR - Rubber Soul 1965
06. HIGHWAY - Electric Arguments 2008 Fireman Paul e Youth
07.LET ME ROLL IT - Band On The Run 1973 - cita Foxy Lady, de Jimi Hendrix
08. THE LONG AND WINDING ROAD - Let It Be - 1970
09.1985 - Band On The Run 1973
10.LET 'EM IN - Wings At The Speed Of Sound 1976
11. MY LOVE - Red Rose Speedway 1973
12. I´VE JUST SEEN A FACE - Help! 1965
13. AND I LOVE HER - A Hard Day's Night 1964
14. BLACKBIRD - The Beatles (Album Branco) 1968
15. HERE TODAY - Tug of War 1982 (homenagem a John Lennon)
16. DANCE TONIGHT - Memory Almost Full 2007
17. MRS VANDERBILT - Band On The Run 1973
18. ELEANOR RIGBY - Revolver 1966
19. SOMETHING - Abbey Road 1969 (homenagem a George Harrison)
20. SING THE CHANGES - Electric Arguments 2008 Fireman
21. BAND ON THE RUN - Band On The Run 1973
22. OBLA DI OBLA DA - The Beatles (Album Branco) 1968
23. BACK IN THE USSR - The Beatles (Album Branco) 1968
24. I'VE GOT A FEELING - Let It Be 1970
25. PAPERBACK WRITER - Single 1966
26. A DAY IN THE LIFE - Sergeant Pepper's Lonely Hearts Club Band 1967
27. LET IT BE - Let It Be 1970
28. LIVE AND LET DIE - Tema do filme de James Bond 007 - Viva e deixe morrer 1973
29. HEY JUDE - Single The Beatles 1968

ENCORE 1
30. DAY TRIPPER - Single The Beatles 1965
31. LADY MADONNA - Single The Beatles 1968
32. GET BACK - Let It Be 1970

ENCORE 2
33. YESTERDAY - Help! The Beatles 1965
34. HELTER SKELTER - The Beatles (Album Branco) 1968
36. SGT PEPPER (Reprise)  - Sergeant Pepper's Lonely Hearts Club Band 1967
THE END - Abbey Road 1969

Fotos: G1 e R7
Set List: Blog do Jamari França

11.12.2010

Millencolin - Pennybridge Pioneers 10 Years Anniversary Tour.

Na quinta-feira, dia 11 de novembro, os suecos do Millencolin iniciaram em Porto Alegre a quarta tour da banda pelo Brasil, que também passou pelo país nos anos de 1998, 2006 e 2008. Mas desta vez os shows serão mais do que especiais, pois serão em comemoração aos 10 anos de lançamento do disco Pennybridge Pioneers, lançado em 2000, um dos melhores da discografia do grupo e que está sendo tocado na íntegra na tour mundial Pennybridge Pioneers 10 Years Anniversary Tour.
Além de Porto Alegre, o grupo passará por Curitiba, dia 12/11, Rio de Janeiro no dia 13/11 e São Paulo, no dia 14/11. Vale lembrar que a banda Fistt, de Jundiaí, interior de São Paulo irá realizar os shows de abertura no Rio e em São Paulo. No RJ, a banda carioca Phone Trio também participará do evento, fazendo show de lançamento do novo disco Huston, We Have a Problem. Vale lembrar que os paulistas ainda terão a oportunidade de assistir, no dia 15/11 a apresentação de Nikola Sarcevic, tocando músicas da carreira solo, que fazem parte dos discos Lock-Sport-Krock (2004), Roll Roll and Flee (2006) e Nikola & Fattiglapparna, lançado em março deste ano e o primeiro que ele lança com todas as letras em sueco.

Início do Millencolin e os Primeiros Discos

 O Millencolin foi formado em Outubro de 1992, na cidade de Örebro, na Suécia, pelos músicos Nikola Sarcevic (vocais e baixo), Erik Ohlsson (guitarra), e Mathias Färm (bateria). Com esta formação, eles gravam a primeira demo tape do grupo, chamada Goofy, lançada no início de 93.
Mas esta formação não duraria muito tempo, já que, logo depois do lançamento desta demo tape, entra para o grupo Fredrik Larzon, que assume as baquetas e Mathias Färm passa a ser o segundo guitarrista. Com esta nova formação, que é a mesma até hoje, o grupo lança mais uma demo tape, chamada Melack, lançada no verão europeu daquele mesmo ano.
A receptividade do público é boa e o grupo entrega as demo tapes para a Burning Heart, selo também da Suécia e também formado naquele ano de 1993. Este ano acaba sendo de grande trabalho para o grupo, pois em novembro o selo Burning Heart oferece a oportunidade da gravação de um EP e eles lançam, Use Your Nose, com seis músicas, algumas sendo retiradas das duas demo tapes, mas com uma melhor sonoridade, devido a melhora da qualidade da gravação.
Em julho de 1994, o EP Skauch é lançado também pela Burning Heart. Inicialmente, o disco era para ser um single da música “The Einstein Crew”, mas os integrantes do Millencolin decidiram gravar mais algumas covers e o álbum acabou contando com um total de seis músicas, incluindo "Coolidge", do Descendents e “Knowledge” do Operation Ivy e regravada por diversas bandas de hardcore.














Em outubro daquele mesmo ano chega as lojas européias o primeiro full-lenght do grupo, intitulado de Tiny Toons, em homenagem ao desenho animado Tiny Toon Adventures, trazendo uma capa também inspirada nesta série televisiva. A homenagem trouxe problemas para o grupo, que sofreu com um processo do grupo de entretenimento Warner Bros, dona dos direitos autorais da marca Tiny Toon Adventures. Em seguida, foi a vez da The Walt Disney Company, outro grande conglomerado capitalista de mídia e entretenimento do planeta querer arrancar dinheiro de uma simples banda independente em início de carreira. O motivo desta vez foi o título da música “Disney Time”. Em 96 o álbum foi relançado com outra capa e com o título de Same old Tunes. A música “Disney Time” teve o nome alterado para “Diznee Time”.
Mesmo com todos estes problemas jurídicos, o Millencolin continuou a excursionar durante o ano de 1995 e em agosto entraram em estúdio para gravar o segundo disco, Life on a Plate, lançado em outubro daquele ano. Na turnê deste álbum, o grupo tocou pela primeira vez fora da Escandinávia e recebeu uma proposta do selo Epitaph (que lançou grupos como Offspring, Bad Religion, Pennywise, NOFX e Rancid) para lançar os dois primeiros discos do grupo nos EUA.
Com o crescimento da popularidade do Millencolin por todo o mundo, o grupo volta, em janeiro de 1997, aos estúdios Unisound, na terra natal da banda e onde gravaram os dois primeiros álbuns, para a gravação do próximo disco, For Monkeys, lançado em abril e maio daquele ano, na Europa e nos Estados Unidos respectivamente.
Com este disco, o grupo realiza turnês por diversos países do mundo, como Japão, Austrália, Brasil e Canadá; além de serem convidados a participar de um dos maiores festivais itinerantes do mundo, a Warped Tour, nos EUA.
 
A Nova Explosão do Punk no Mundo

Toda esta popularidade crescente do Millencolin e de diversas outras bandas de hardcore melódico na segunda metade dos anos 90 se deu, além da ótima qualidade de muitas delas, ao grande boom do punk em 1994 com o lançamento dos discos Dookie, do Green Day e Smash, do Offspring, que juntos venderam quase 20 milhões de cópias somente nos EUA. Outros lançamentos que foram importantes nos anos de 94 / 95 e que ajudaram nesta mais nova explosão do punk rock e hardcore no mundo foram: Punk in Drublic, do NOFX; ...And Out Come The Wolves, do Rancid; Stranger Than Fiction, do Bad Religion e About Time, do Pennywise.
Enquanto isso, no Brasil, grupos como Raimundos e Planet Hemp também estouravam no cenário nacional, de forma independente, com um som fortemente influenciado pelo hardcore, mas com uma sonoridade própria. Enquanto os Raimundos misturavam forró com hardcore, o Planet Hemp utilizava elementos do Rap e do Hip-Hop, sendo bastante influenciado por grupos como Beastie Boys, Public Enemy, Cypress Hill e Rage Against the Machine.
Outro fator a favor desta popularidade do hardcore melódico na segunda metade da década de 90, e interessante de ressaltar, foi o começo da inclusão de muitas músicas dessas bandas nos filmes de surf daquela época. Isto ajudou a fazer com que um público de fora do meio punk / HC passasse a conhecer as bandas e o estilo. A rapidez e a agressividade das músicas se encaixavam perfeitamente com as manobras que os surfistas realizavam nas ondas. Filmes como Campaing, Focus e Momentum I e II, produzidos pelo cinegrafista Taylor Steele, e que traziam como trilha sonora bandas como Pennywise, Bad Religion, Sublime, No Fun At All, Blink 182 e muitas outras.
Aqui no Brasil, um país em que era difícil de encontrar discos destas bandas e que dificilmente se ouvia músicas desses grupos nas rádios; além de ser uma época em que poucos tinham acesso a internet e quase não se baixava música; muitos descobriram muitas dessas bandas citadas nesta matéria, através destes filmes ou de coletâneas lançadas pela Revista Fluir. Uma dessas pessoas é este que vos escreve.

O Disco Pennybridge Pioneers

Mas voltando ao tema central desta matéria, em julho de 1999, um mês antes de entrar em estúdio para a gravação do quarto disco, o Millencolin lança The Melancholy Collection, que como o próprio nome já diz, é uma compilação que traz os dois primeiros EPs, b-sides dos singles, músicas raras e outras que nunca haviam sido lançadas em disco.
Em agosto daquele ano o Millencolin sai pela primeira vez da Suécia para a gravação de um disco. O grupo vai para Hollywood, na Califórnia, para gravar no estúdio Westbeach Recorders, de propriedade do dono da Epitaph e guitarrista do Bad Religion, Brett Gurewitz, que também foi o produtor deste disco do Millencolin. Neste estúdio foram gravados grandes clássicos do hardcore, como os álbuns: Suffer (1988), No Control (1989) e Against the Grain (1990), do Bad Religion; o primeiro e homônimo disco do Pennywise, de 1991; e Robbin' the Hood (1992) do Sublime.
Após três discos com uma sonoridade bem hardcore e com algumas influências do skacore, também em naquela segunda metade da década de 90, era hora do Millencolin diversificar e buscar novas influências para a sonoridade do grupo.
Pennybridge Pioneers foi lançado no dia 22 de fevereiro de 2000 e foi o primeiro disco do Millencolin a ter o lançamento simultâneo na Europa, pela Burning Heart e nos EUA, pela Epitaph. O disco foi o primeiro do Millencolin sem nenhuma música com uma levada mais skacore. O disco já começa a mostrar a sonoridade que a banda viria a buscar em seus próximos álbuns, que são marcados por uma pegada mais rock do que o hardcore do início da carreira.
O cd começa com o principal hit-single do álbum, a música “No Cigar”. Talvez a mais conhecida do Millencolin, pois ela faz parte do jogo de videogame Tony Hawk Pro Skater 2. A primeira música do disco já mostra uma sonoridade diferente. O som é pesado e rápido, mas é mais rock do que hardcore. Difícil de lembrar os discos anteriores. O que nos faz associar que este é um disco do Millencolin é o vocal inconfundível de Nikola Sarcevic.
“Fox” vem em seguida e é a faixa mais divertida de Pennybridge Pioneers, além de ser um dos melhores videoclipes do grupo também. Ela narra a estória de como Nikola Sarcevic comprou sua Lambreta Scooter, a relação de amor que ele tem pelo veículo, e o quanto ela é invocada e má.
“Material Boy” é uma das poucas que tem uma levada mais hardcore. É uma crítica a sociedade materialista e de consumo, uma crítica bem-humorada e divertida. “Eu comprei um novo Imac e um mouse / um telefone para ir com meu novo espírito / Próxima parada pode ser minha casa: seis camas e uma piscina só pra mim / Eu viverei como um Czar, o “papo” do mendigo não será ouvido / Eu terei um barco, televisão nova e um carro / E em minha boca um grande cigarro cubano”
Logo depois de músicas mais divertidas e com letras mais descontraídas, vem “Duckpond”, com um instrumental mais cadenciado e um refrão pesado. Com letra mais reflexiva, até depressiva em alguns momentos, revelando um desânimo com a rotina, a vontade de deixar algum lugar que se está preso, mas sem ter forças e possibilidades de deixá-lo.
“Right About Now” é outra com uma pegada hardcore. Rápida e direta, com apenas 1m48s, Nikola Sarcevic canta sobre a necessidade amadurecer, ganhar dinheiro, a vontade de viver a vida e atingir os objetivos.
“Penguins and Polarbears” é a sexta faixa do disco e foi o primeiro single do disco, sendo lançado no dia 24 de janeiro, quase um mês antes de o álbum chegar às lojas. Outra faixa que aponta um caminho diferente que a banda estava pretendendo seguir, buscando uma sonoridade mais rock, assim como a próxima faixa, “Hellman”, que alterna momentos mais pesados e outros mais cadenciados.
Na sequência temos duas faixas com o hardcore bem característico do Millencolin, com variações de ritmos, alguns momentos mais rápidos e outros mais lentos. A primeira é “Devil Me”, com letra bem divertida, em que Nikola Sarcevic canta diversas coisas relacionadas à sua vida, o que gosta de fazer, ouvir, esportes preferidos, entre outros. “Stop to Think” começa mais rock, mas no refrão a faixa ganha aquela velocidade do hardcore melódico que marcou os três primeiros do grupo. 
“The Mayfly” é a décima faixa do disco, que começa a chegar ao final. Um bom rock, com ótimos riffs de guitarra, bateria pesada, um bom refrão e um lindo solo de guitarra, um dos poucos do disco.
“Highway Donkey” mantém a variação entre rock e hardcore da faixa “Stop to Think”. Enquanto que a música seguinte, “A-Ten”, é um bela canção sobre a perda de um amor e o quanto a falta da pessoa amada é sentida. Ela é como se fosse um diálogo de Nikola Sarcevic com o ouvinte, como se fosse uma ajuda que os músicos tivessem tentando dar a um fã que possa estar passando por isso. “Esses últimos meses tem sido os mais desagradáveis de sua vida. / Você perdeu alguém que amava. / E não há dor pior que esta. / Você sabe a intimidade que vocês dois tinham. / E a diversão e sentimento que compartilhavam”.
“Pepper” é outro hardcore rápido,de apenas 1m48s, coincidentemente o mesmo tempo de “Right About Now”. Com instrumental divertido, ela prepara o terreno para a última música “The Ballad”, que como o próprio nome diz, é uma balada, com certeza uma das músicas mais ousadas na carreira do grupo e uma das mais belas também. Com início acústico, ela possui uma letra depressiva, que fala sobre um garoto que é o excluído da turma da escola, que está sempre sozinho, “O último escolhido para o jogo de bola. / Ele nunca recebeu um convite. / Não apreciado, é apenas seu primeiro nome. Ele é o "bode expiatório" da classe. / Não há amigos pra alegrá-lo, nem garotas, nem romance doce”. “Você sabe quem é aquele cara? / Que está completamente sozinho. / Você se importa o suficiente pra ver? / Ele está em dor e sofrimento.”
Você se lembra dele? Você era ele? Acredito que muitos fãs se identificaram com essa música quando a ouviram pela primeira vez, no já longínquo ano 2000.
Pennybridge Pioneers é um disco que pode ser considerado como um divisor de águas na carreira do Millencolin. É que determinou os rumos que os músicos seguiriam nos próximos discos, um caminho de distanciamento do hardcore melódico e as misturas com o ska dos três bons primeiros trabalhos da banda. Pennybridge Pioneers é o grande clássico do Millencolin e merece esta tour mundial de comemoração de 10 anos.

As cinco melhores:
1 - The Ballad
2 - No Cigar
3 - Fox
4 - A-Ten
5 - Duckpond

11.11.2010

Jello Biafra and The Guantanamo School of Medicine – Teatro Odisséia - 09/11/2010

Não é todo dia que uma lenda do punk rock toca em sua cidade. E para paulistas e cariocas isto aconteceu neste início de novembro com os shows de Jello Biafra, ex-vocalista do Dead Kennedys, proprietário do selo Alternative Tentacles e grande ativista político. Acompanhando o músico, sua mais nova banda, a The Guantanamo School of Medicine, que formou em 2008 e lançou em 2009 o elogiado disco “The Audacity of Hype”. Em São Paulo os shows ocorreram nos dias 5 e 6 e no Rio de Janeiro, no dia 9. Dias históricos, que ficarão na mente das pessoas que estiveram presentes nas apresentações.
Contudo, está não foi a primeira vez que Jello Biafra passou pelo Brasil. Em 1992, ele esteve presente no Rio de Janeiro para a ECO 92, Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, que reuniu as principais figuras políticas da época. Jello Biafra esteve na cidade para fazer protestos contra o evento, mas acabou tocando algumas músicas no Circo Voador com alguns integrantes do Ratos de Porão, Sepultura e Ministry, além de ter participado também de um show do grupo francês Mano Negra, na Praça dos Arcos da Lapa. Na época o grupo estava realizando uma turnê pela América Latina e tinha como um dos seus principais integrantes o vocalista e guitarrista Manu Chao.
Mas voltando a 2010, na noite de terça-feira, 9 de novembro, no Teatro Odisséia o clima entre os presentes era de ansiedade e felicidade. Mas antes da grande atração da noite, teve-se a apresentação de duas bandas cariocas Priest of Death e Os Estudantes.
A primeira a subir no palco foi a Priest of Death, que começou a apresentação com um público ainda pequeno. Mesmo com um som mais voltado para o trash metal, destoando um pouco do clima hardcore da noite, o grupo agradou boa parte dos presentes, executando músicas do mais recente trabalho deles, o EP “Soluções Violentas”.
Com a casa já mais cheia, veio em seguida Os Estudantes, que foram capa do mais famoso fanzine punk do mundo, o Maximum Rock n Roll, na edição 327, lançada em agosto de 2010. Com um som fortemente influenciado pelas bandas de hardcore norte-americanas da década de 80, agradaram em cheio ao público, que já insinuava algumas rodas de pogo em frente ao palco. Destaque para a grande presença de palco do vocalista Vitão, que agita o tempo todo, pulando, rolando no chão e berrando as músicas como se fosse o último show de sua vida. O grupo teve o privilégio de ter como espectador o Jello Biafra, que curtiu o show do mezanino.
Após o show dos Estudantes, o clima de ansiedade aumentou entre os presentes e casa lotou de vez, atingindo um público estimado de 800 pessoas. Com clássicos punks saindo dos PA´s, rodas de pogo já começavam a se formar e muitos cantavam junto as músicas, enquanto alguns integrantes do grupo e o roadie começavam a prepara o palco e os instrumentos para a grande festa punk que iria começar.
Às 23 horas as luzes do Teatro Odisséia se apagam, os músicos começam a entrar no palco e a pegar seus instrumentos. Quando os primeiros acordes de “The Terror of Tinytown” começam a ser executados Jello Biafra sobe ao palco vestido de médico, com uma camisa branca e as luvas sujas de sangue. O público vai ao delírio, rodas de pogo começam, stage dives insanos e o caos empolgante, que só encontramos nos shows de punk / hardcore, têm seu início e vai assim até o final. Só sendo interrompido entre uma canção e outra, quando Jello Biafra entoa seus discursos políticos de extrema esquerda, principalmente contra os EUA e as grandes corporações.
Na sequência vieram mais três músicas do disco de Jello Biafra com a Escola de Medicina de Guantanamo, que são: “Clean as a Thistle”, “New Feudalism” e “Electronic Plantation”, que mantêm o alto nível de agitação do público. Mas é com a clássica música do Dead Kennedys, “California Über Alles”, que veio logo na sequência, que a casa vem abaixo, com uma roda gigante e a galera cantando a plenos pulmões toda a letra que é uma critica ao antigo governador da Califórnia, Jerry Brown, durante os anos de 1975 a 1983.
Ao final de “California Über Alles”, o público começou a pedir “Police Truck”, outro clássico dos Dead Kennedys, mas Jello Biafra avisa que adora as canções antigas, mas que ainda sabe fazer boas letras e boas músicas, dando início a “Panic Land”, outra do disco “The Audacity of Hype”. Depois dessa sequência inicial matadora, Jello Biafra já está sem a camisa branca e as luvas de médico, usando agora outra camisa que estava por baixo, com os dizeres: “Democracy, We Delivery”.
Nesta primeira parte do show ainda tivemos “Let`s Lynch the Landlord”, outra grande música dos Dead Kennedys, “Three Strikes”, “Strenght Thru Shopping”, “Don`t Com Monte Carlo”, encerrando com “Pet`s Eat Their Master”, uma das melhores do último disco, que teve todas as nove músicas incluídas no set list.
A banda ainda voltaria para mais três bis, com duas músicas em cada e em que os principais destaques foram “Holiday in Cambodia”, em que um fã pulou do mezanino direto no meio da roda e Jello Biafra arriscou alguns stage dives, mostrando estar em forma aos 52 anos; e “To Drunk to Fuck”, em que, no seu tradicional discurso antes das músicas, disse que: “nada aconteceu depois desse encontro de políticos, porque eles estão sempre bêbados demais”. Estas duas músicas contribuíram para aumentar ainda mais o caos insano que se tornou o Teatro Odisséia durante o show.
A última música deste grande espetáculo de punk / hardcore, em plena terça-feira, foi “I Won`t Give Up”, que Jello Biafra dedicou a Renato Russo, amigo que lhe hospedou durante a primeira passagem pelo país em 1992. Durante esta música Jello Biafra voltou a arriscar alguns stage dives e ao final, após quase duas horas de show, agradeceu muito ao público do Rio de Janeiro, que retribuiu com diversos aplausos, felizes e gratos por terem presenciado um dos melhores shows do ano e das próprias vidas.

Set List:
1- The Terror of Tinytown
2- Clean as a Thistle
3- New Feudalism
4- Electronic Plantation
5- California Über Alles (Dead Kennedys)
6- Panic Land
7- Let’s Lynch the Landlord (Dead Kennedys)
8- Three Strikes
9- Strength Thru Shopping
10- Dot Com Monte Carlo
11- Pets Eat Their Master

Bis
12- The Cells That Will Not Die
13- Holiday in Cambodja (Dead Kennedys)

Bis
15- Too Drunk to Fuck (Dead Kennedys)
16- Bleed for Me (Dead Kennedys)

Bis
17- Moon Over Marin (Dead Kennedys)
18- I Won’t Give Up

Fotos: Rodrigo Esper (Publicadas no site - Rock em Geral)

11.02.2010

Jair Naves – Araguari (2010)

Depois do anúncio do fim, em janeiro de 2009, de uma das melhores bandas surgidas no Brasil nesta última década, o Ludovic, Jair Naves (vocalista e letrista do grupo), passou aquele ano trabalhando em uma carreira solo que começou a ser divulgada no início de 2010, com o lançamento do EP Araguari (Travolta Discos), que também é uma cidade do interior de Minas Gerais, onde o músico nasceu e passou boa parte da infância. O grupo que acompanha Jair Naves (voz, violão, guitarra, baixo e sintetizadores) neste EP é formado por Alexandre Xavier (piano), Júlia Frate (Voz) e Mark Paschoal (bateria e voz).
O disco traz quatro excelentes músicas, com melodias mais suaves, tranqüilas e limpas, diferente do Ludovic, que tinha uma sonoridade mais pesada e distorcida. As letras são autorais e confessionais, abordando temas como desilusão amorosa, paixão doentia, arrependimentos, inocência perdida, saudades de situações vividas (Mas eu sinto saudade da nossa banda / de cada palco em que eu pisei, de cada nota que eu cantei), saudades da infância (as crianças da nossa rua já não somos nós) e, principalmente, recordações da cidade natal do músico.
A primeira música do EP é “Araguari I (Meus Amores Inconfessos)”, que começa com uma bela introdução de piano e ao fundo pode se ouvir um diálogo e gritos retirados do filme O Caso dos Irmãos Naves, sobre o caso de dois irmãos, Sebastião e Joaquim, que confessaram um crime que jamais cometeram, foram presos, torturados e mortos, durante a ditadura militar.
Quando se encerra o diálogo, começa uma batida densa e forte da bateria que acompanha o piano, até a entrada do violão acústico, que dá início a melodia base da música, que logo na sequência é acompanhada pela voz grave e sofrida de Jair Naves. Não há variações na melodia, a base segue a mesma até o final. Uma bela canção, que fala da saída do cantor de Araguari, ainda novo e com vontade de enfrentar o mundo; o retorno e a saudade da cidade natal; reflexão sobre as situações que viveu; saudades da infância, dos sonhos, amores inconfessos e bandas com a qual tocou.
Na sequência, tem-se a música mais bela e triste feita neste ano de 2010, “Silenciosa”. Ela é sobre o fim de um amor, de um relacionamento. Um fim consensual, civilizado, sem discussões e com um sentimento de culpa. Um lamento pela perda das forças em continuar lutando por esse amor, uma lamentação por acreditar que “Se não deu certo com a gente / acho que nunca vai dar”. Aqui, Jair Naves expõe o sofrimento que sente pela solidão vivida por não compartilhar mais as situações que vivia e compartilhava com a pessoa amada: “A cama ficou espaçosa / nosso quarto ficou mais frio / a casa, silenciosa, / não me serve como abrigo”.
“Silenciosa” tem um arranjo simples e bonito, com apenas violão, piano e voz. Aqui o principal destaque é o dueto vocal de Jair Naves com Júlia Frate (que também aparece fazendo belos backing vocals nas outras três faixas do disco).
A terceira faixa é “De branquidão hospitalar, queimando em febre, eu me apaixonei”, que se diferencia das outras faixas, por ser a mais pesada do disco, começando com uma batidas seca de bateria e uma linha de baixo forte, com a entrada do teclado na sequência, que dão um clima pós-punk fortemente influenciado pelas bandas da década 80. Aqui sai o clima de desilusão com o amor e o relacionamento, registrado na faixa anterior, para a entrada de uma paixão doentia por outra pessoa.
A última música do EP, “Araguari II (Meus dias de Vândalo), talvez seja a mais ambiciosa do grupo, possuindo mudanças de andamento, alternando momentos mais calmos, porém densos, com o vocal grave e forte de Jair Naves contrastando com a voz bela e suave de Júlia Frate; com outros mais pesados e vocais um pouco mais agressivos; terminando com apenas voz, guitarra e piano, com Jair Naves cantando de forma sombria o seguinte lamento: “Talvez fosse preferível / que eu nunca tivesse saído / de onde eu nasci, / de Araguari”.
Com apenas quatro músicas, todas muito boas, sendo difícil apontar qual é a melhor, o EP Araguari, deixa o ouvinte com aquela vontade de ouvir mais músicas desta nova fase da carreira de Jair Naves. A espera não deve ser muito longa, já que, em recente entrevista ao site da Ideal Shop, o músico afirmou que tem planos de lançar um disco com 11 ou 12 músicas em 2011. Vale a pena esperar para conferir o próximo trabalho deste que é um dos melhores compositores de sua geração.

Faça o download do EP Araguari no site de Jair Naves no Trama Virtual:
http://tramavirtual.uol.com.br/artistas/jair_naves
Ou ouça as músicas no Myspace do artista:
http://www.myspace.com/jairnaves

Track list:
1 - Araguari I (Meus Amores Inconfessos) - 4:48
2 - Silenciosa - 5:18
3 - De branquidão hospitalar, queimando em febre, eu me apaixonei - 3:44
4 - Araguari II (Meus dias de Vândalo) - 6:12

 

Letras das Músicas:

Araguari I (Meus Amores Inconfessos)
As lembranças que eu guardo de Araguari
resumem-se ao dia em que eu fugi
caçado de perto por uma multidão
decidida a fazer justiça com as próprias mãos

Ecoavam sermões pelas ruas dormentes
ninguém larga tudo impunemente
o abandono é a pior traição
no fim das contas, hoje eu te dou razão

Em minha defesa, eu apelo ao óbvio:
eu era novo e sem temor,
eu tinha o mundo ao meu dispor
Só que a vida passou e eu caí em nostalgia
mesmo de coisas que eu mal vivi,
o que dizer da inocência que eu deixei em Araguari?

Araguari, o que foi que aconteceu?
Fui eu que te perdi ou você que me perdeu?
Foge à minha compreensão,
mas eu te dou razão

Fato é que eu não sou mais quem eu era antes
eu voltei envelhecido e hesitante
Hoje eu que cuido dos meus pais
e as crianças da nossa rua já não somos nós

Mas eu sinto saudade da nossa banda
de cada palco em que eu pisei, de cada nota que eu cantei
E ainda me dá um nó na garganta
pensar nos sonhos que eu sonhei,
na leveza dos amores que eu desperdicei

As brigas que eu comprei,
Meus amores inconfessos,
Os sonhos que eu sonhei...

Silenciosa
Passou, passou
Um dia eu me conformo
e paro de me culpar
Passou, acabou
Sabe quando você sente que não vale mais a pena lutar?
Se não deu certo com a gente, acho que nunca vai dar

Passou, passou
Um dia eu me acostumo
e paro de te importunar
Passou, acabou
Sabe quando você sente que não vale mais a pena lutar?
Se não deu certo com a gente, acho que nunca vai dar

Prometo que eu não demoro
quando eu estiver pronto, eu te aviso
Se bem que eu não me incomodo
pode ir agora que eu já não ligo
Só vê se não esqueceu nada
e vê se não volta mais
Enquanto eu não me recobro,
enquanto eu não estiver bem, em paz

A cama ficou espaçosa
nosso quarto ficou mais frio
A casa, silenciosa,
não me serve mais como abrigo
E foi consensual
nós nem sequer discutimos
Tudo tão civilizado
nem parecia comigo

Nossos amigos ainda questionam o que foi dessa vez
qual a gota d’água, como eu consegui
afastar você de mim

Deve haver em tudo isso alguma lição
algo a ser aprendido, uma compensação
para o quanto nós nos ferimos

Passou, passou
Um dia eu me conformo
e paro de te culpar
Passou, acabou
Sabe quando você sente que não vale mais a pena lutar?
Se não deu certo com a gente, acho que nunca vai dar

De branquidão hospitalar, queimando em febre, eu me apaixonei
No cômodo abafado, de branquidão hospitalar
via-se um mar de rostos borrados tentando te acordar
Você zombava desse empenho, da proteção que eu ofereci
um demônio enfermo de quem eu não consigo me despedir

Delirante, queimando em febre, você buscou a minha mão
A esse poder que você exerce eu nunca soube dizer não

Ela reagiu como se possuída
por um espírito ruim
Dizendo “prepare-se pra uma guerra, eu não respondo mais por mim”
E eu, tão impressionável,
me apaixonei
Eu me apaixonei,
eu me apaixonei

O que eu mim você reconhece, eu reconheço em você (não estou só)
O gosto da sua pele, as fraquezas que eu tento esconder (não estou só)

Quando eu menos esperava, a vida não falhou em me surpreender (não estou só)
Nada mais me entristece agora que eu encontrei você (não estou só)
Quando eu menos esperava, a vida não falhou em me surpreender (não estou só)
Nada mais me entristece agora que eu encontrei você (não estou só)

Araguari II (Meus Dias de Vândalo)
Como eu me defendo desse sentimento de inadequação
Que me destrói por dentro, pro qual eu não vejo explicação?
Bandeira a meio mastro, um afago áspero, a voz do cantor
Eu criei um certo faro para esse tipo de enganador

(Graças a você)

Ladeira abaixo, assim foi dito
uma obra-prima de eufemismo
para as dores da inaptidão,
para o sufocante calor da afobação
Ninguém imagina o que eu enfrentei
o quanto doeu, o quanto eu rezei
minha reza de ateu
num desespero que eu nunca me atrevo a demonstrar

Bêbada e vingativa,
o amor como eu o conhecia
de peito estufado, cheia de si
cantando em copos por aí
na madrugada eterna e ardente
que te deixou toda em carne-viva

Uma adoração inconcebível (em mim você devia confiar)
todo o amor que me é possível (eu vejo tanto de mim mesma em você)
recolhido, quieto, ensimesmado
meu refém conformado e imperturbável
na madrugada eterna e ardente
que me deixou todo em carne-viva

Agora, convenhamos: eu nunca me expus tanto, você nem pra impedir
Com todo esse alvoroço, eu só engoli meu almoço, não senti gosto algum
A torneira que eu esqueci aberta não tardou a inundar todo o prédio
mas eu sobrevivi, eu sobrevivi

O tempo que a gente passou aqui morando de favor
nos tornou parte da mobília sem valor
na percepção pobre e turva daquele que nos abrigou

E foi nesse corredor que eu vi o fantasma de um senhor
e de um labrador
magro, manco e ameaçador
Eu é que não vou me meter com esses dois

Nem queira saber o que eu ambiciono,
o que me mantém vivo, porque eu não cedo ao sono
Eu te aconselho: nem queira saber

Assim que os meus dias de vândalo terminarem,
eu sei que me levarão pro céu
E farão com que eu narre os meus escândalos
sem que eu me gabe,
com o constrangimento abatido de um réu
Talvez fosse preferível
que eu nunca tivesse saído
de onde eu nasci,
de Araguari

11.01.2010

Zander - Brasa (2010)

Uma das principais críticas que são feitas ao trabalho de Gabriel Zander como músico são as de que suas bandas são muito parecidas com o Noção de Nada, grupo que liderou por mais de uma década e que encerrou as atividades em agosto de 2007.
Realmente é difícil não se lembrar do Noção de Nada quando se houve o primeiro full-lenght do grupo Zander, já que as letras de Gabriel são caracterizadas por temas pessoais e ele foi e é, respectivamente, o principal compositor das duas bandas. Outro ponto similar, e que é inevitável não associar, é o vocal de Gabriel, que é forte e bem peculiar, apesar de estar menos rouco do que em outros registros; além da sonoridade continuar sendo influenciada, principalmente, pelo hardcore.
Mas deixemos as comparações de lado, porque o Noção de Nada já não existe mais e o Zander já tem três anos de estrada, dois bons EP`s (Em Construção de 2008 e Já Faz Algum Tempo de 2009), uma carreira crescente no rock independente nacional e o lançamento de um dos melhores discos de 2010, Brasa, que traz onze faixas gravadas no estúdio Superfuzz, no Rio de Janeiro e que foi lançado pelo selo Manifesto Discos, os dois de propriedade dos integrantes da banda.
O disco abre com uma pequena vinheta, uma antiga marchinha de carnaval em que são cantados os seguintes versos: “Seu delegado venha ver que confusão / estão mandando brasa no meio do salão”. Na sequência, uma batida forte de bateria e riffs de guitarra marcantes dão início a uma das melhores músicas do disco “Auto Falantes”. E logo de cara eles já mostram que o negócio aqui é rock pesado, tanto na sonoridade quanto nas letras, pedindo para o ouvinte em um dos versos “Põe no máximo até distorcer / quando for possível me ouvir dizer”; para em seguida expor o objetivo de suas letras “Eu não prometo nada / nem estou aqui para dizer o que se deve fazer / Apenas mostro os cortes pra não perder o foco e a direção”.
A segunda música é “Terreiro”, que tem alguns momentos com um instrumental mais cadenciado e outros de mais peso e velocidade. Na sequência vem a primeira música sobre estar na estrada, “Linha Vermelha”. A letra começa como se fosse um diálogo com os fãs, contendo agradecimentos por acreditarem no grupo, por pedirem shows e “evitar o fim”. Levada hardcore, simples, pesada e rápida. Mas a melhor sobre este tema é “Até a Próxima Parada”, quinta faixa do disco e que começa com Gabriel cantando “Estamos de partida e nunca é fácil de dizer: ‘Até a próxima, foi bom te ver!’”, só com guitarra e vocal. Fala das dificuldades e alegrias que uma banda independente encontra durante as turnês.
Entre estas duas, temos a faixa “Todos os Dias”, mais uma das que se destacam no álbum, com uma das melhores letras e arranjos instrumentais. “Motim” é a sexta faixa e traz uma sonoridade forte, introdução com um interessante solo de guitarra, uma levada reggae próxima do final e uma letra contestadora e contra o sistema.
“Meia Noite” vem na seqüência. Tem uma levada post-hardcore, fala sobre relacionamento e tem uma sonoridade que alterna momentos mais cadenciados e outros com guitarras mais pesadas. A melhor do disco. “Humaitá” é um hardcore veloz e pesado, com uma quebrada no meio antes dos versos finais e “Simples Assim” tem uma introdução interessante só com a guitarra e possui algumas melodias mais radiofônicas.
As duas últimas faixas são a bela balada “Sunglasses”, a primeira música do Zander em inglês, e a hardcore “Sem Fim”, que tem no final uma passagem instrumental muito interessante, parecendo uma pequena jam session. Para encerrar o disco, mais um pequeno trecho da marchinha de carnaval que abriu o disco.
Brasa é mais um dos grandes lançamentos nacionais do ano. Com o Zander executando um hardcore de qualidade, com intensidade e sinceridade, características difíceis de encontrar hoje na música. Não baixe apenas as músicas da internet. Vale a pena adquirir o disco pela qualidade das músicas e pela arte gráfica, bem caprichada, que traz uma bela capa e um bonito encarte.

Para baixar o disco Brasa e os EP´s Em Construção e Já Faz Algum Tempo, acesse a página do Zander no site Trama Virtual:
http://tramavirtual.uol.com.br/artistas/zander

Track List:
1. Auto Falantes
2. Terreiro
3. Linha Vermelha
4. Todos Os Dias
5. Até a Próxima Parada
6. Motim
7. Meia Noite
8. Humaitá
9. Simples Assim
10. Sunglasses
11. Sem Fim

As cinco melhores:
1 - Meia Noite
2 - Auto Falantes
3 - Sunglasses
4 - Até a Próxima Parada
5 - Todos os Dias

10.11.2010

Rush - Praça da Apoteose - 10/10/2010

Após oito anos o Rush esteve de volta ao Brasil neste último final de semana, com apresentações em São Paulo e Rio de Janeiro, para a realização da turnê Time Machine, em que o principal destaque é a execução na íntegra do disco de maior sucesso comercial do grupo, o Moving Pictures, lançado em 1980. É difícil saber qual banda começou com este tipo de projeto, mas é uma idéia muito interessante ver grandes artistas tocando todas as faixas de um grande clássico na ordem em que elas estão no disco.
Às 20h em ponto, os três telões, um no centro do palco e os outros nas laterais, começaram a exibir um filme curto que faz brincadeiras com a história da banda, intitulado “Rash: The Real History of Rush”. O vídeo mostra os três integrantes do Rush em um restaurante. Geddy Lee (vocalista, baixista e tecladista) é o barman, Alex Lifeson (guitarrista) um cientista comilão e Neil Peart (baterista) é outro cliente; enquanto que uma banda chamada Rash é a atração do local executando “The Spirit of Radio”. No meio do diálogo aparece uma máquina do tempo, o personagem de Alex Lifeson aperta um botão vermelho por engano e o grupo é transportado para o futuro, o que é a deixa para o Rush entrar no palco e começar o espetáculo executando os primeiros acordes de “The Spirit of Radio”, que faz o público incendiar a Praça da Apoteose.
Na sequência o grupo tocou “Time Stand Still” e “Presto”, que há muitos anos não eram incluídas no set list dos shows. No final desta última, Geddy Lee saudou o público em inglês, dizendo: “Hello, boa noite Rio! Bem vindos Brasil! É um prazer estar de volta. Gostaria de falar melhor o idioma de vocês”. Este foi um dos raros momentos de diálogo com o público. Na sequência, tocaram mais duas músicas que raramente aparecem no set list, “Stick it Out” e a instrumental “Leave That Thing Alone”. Entre elas, “Working` Them Angels”, uma das melhores músicas do último disco de estúdio, Snakes & Arrows, de 2007. Outra grande música deste álbum que foi tocada nesta primeira parte do show foi “Faithless”.
Em seguida, o Rush apresentou a música inédita “BU2B”, que estará presente no disco Clockwork Angels, que será o 19º disco de estúdio do grupo e que deve ser lançado em 2011. A música é pesada e teve como pano de fundo vários efeitos especiais do palco, como fogo, explosões, fumaça e efeitos de luzes. Foi à deixa para a sequência da trinca de grandes clássicos que viria a seguir: “Freewill”, “Marathon” e “Subdivisions”, que voltaram a empolgar o público e que encerrou a primeira parte do show, após 1h10min do início da apresentação. Geddy Lee anunciou o intervalo, que deve uma duração aproximada de 20 minutos.
Antes de começar a tão aguardada segunda parte do show, em que seria executada na íntegra o disco Moving Pictures, um relógio com o ano de 1974 (ano de lançamento do primeiro álbum do Rush), apareceu no telão e fazia uma contagem até o ano de 1980. Quando o relógio chegou neste ano, as luzes se apagaram e mais um vídeo engraçado começou a ser exibido. Desta vez o cenário foi à gravação do videoclipe do grupo Rash para a clássica música “Tom Sawyer”. Geddy Lee desta vez é o diretor e o personagem de Alex Lifeson continua sendo o cientista comilão do primeiro filme, mas desta vez ele aparece também como empresário do grupo. Quando o botão vermelho da máquina do tempo é novamente apertado, começa um clipe do grupo em um fundo branco, tocando a música “Tom Sawyer” e aparecendo os integrantes do Rush em diversas idades e com os instrumentos trocados.
O personagem de Geddy Lee não gosta dos acontecimentos durante a gravação, pede demissão e o empresário comemora o fato de ter assumido o cargo de diretor do videoclipe. A partir daí o Rush entra no palco, começa a executar as primeiras notas de “Tom Sawyer” e levanta o público, que canta junto toda a letra da música junto com Geddy Lee, assim como acontece também no clássico seguinte “Red Barchetta”. Para incendiar de vez a Praça da Apoteose, vem em seguida a instrumental “YYZ”, que é entoada em coro pelo público. O hit “Limelight” vem em seguida, mantendo a empolgação tanto da banda quanto da platéia, o que também acontece nas três músicas “The Camera Eye”, “Witch Hunt” e “Vital Signs”.
A execução na íntegra do Moving Pictures foi perfeita. É incrível os sons que estes três músicos conseguem executar no palco. Geddy Lee impressiona ao tocar, em uma mesma música, o baixo e o sintetizador moog, além de cantar; Alex Lifeson é um grande guitarrista, executando grandes solos e variando instrumentos como o violão de 12 cordas e um violão havaiano; Neil Peart será comentado mais a frente. Parece que estamos ouvindo o disco diretamente das caixas de som presentes em todo o palco.
Logo após a última música do Moving Pictures ser executada, “Vital Signs”, o Rush tocou mais uma música nova, “Caravan”, que assim como “BU2B”, é uma música pesada e que teve a utilização de diversos efeitos especiais do palco, que estava decorado com diversos relógios e válvulas do tempo, que lembravam um pouco a casa do Dr. Emmett Brown, que aparece no início do primeiro filme da trilogia “De Volta para o Futuro” (1985).
Ao final desta música, Geddy Lee e Alex Lifeson deixam o palco, ficando apenas Neil Peart. É a deixa para que se tenha início uma das maiores atrações dos shows do Rush, o solo de bateria. Neil Peart pode ser considerado como o melhor baterista vivo. É inegável a qualidade dele neste instrumento, o que pode ser claramente observado durante a apresentação solo, que durou aproximadamente 10 minutos. As câmeras de filmagem deram um show, captando toda a técnica do baterista bem de perto, tanto em imagens por cima da bateria, quanto nos detalhes, principalmente do bumbo. Durante esta parte, alguns pingos de chuva começaram a cair, mas não durou muito e antes da próxima música o chuvisco já havia passado.
Após o solo, é a vez de Alex Lifeson ficar sozinho no palco e executar uma bela introdução para “Closer to the Heart” em um violão de 12 cordas, enquanto os outros integrantes vão voltando ao palco para a execução deste grande clássico, presente no disco A Farewell to Kings, de 1977. As duas músicas que encerraram a segunda parte do show foram “2112 – Overture / Temple of Syrinx” e “Far Cry”. Geddy Lee chegou a se despedir do público, mas ainda faltavam mais duas canções, a épica e instrumental “La Villa Strangiato” e “Working Man”, que começou diferente da versão de estúdio, com uma levada reggae, para depois obter mais peso nos instrumentos e ter a levada Hard Rock original.
No final, mais um vídeo engraçado. Desta vez com os atores Paul Rudd e Jason Segel, do filme “Eu Te Amo, Cara” (2009), em que eles interpretam dois grandes fãs do Rush. No vídeo, os dois conseguem invadir o camarim do grupo com credenciais falsas e há diálogos muito divertidos entre os atores e os integrantes do Rush.
Após quase três horas de show, 24 músicas e mais um solo de bateria de um dos melhores bateristas da história do rock, o público carioca saiu da Praça da Apoteose feliz e com a certeza de ter presenciado um dos melhores shows de rock da atualidade.


Set list

Parte 1
1. The Spirit of Radio
2. Time Stand Still
3. Presto
4. Stick It Out
5. Workin' Them Angels
6. Leave That Thing Alone
7. Faithless
8. BU2B
9. Freewill
10. Marathon
11. Subdivisions

Parte 2
12. Tom Sawyer
13. Red Barchetta
14. YYZ
15. Limelight
16. The Camera Eye
17. Witch Hunt
18. Vital Signs
19. Caravan
20. Love 4 Sale (Solo Neil Peart)
21. Closer to the Heart
22. 2112 Overture / Temples of Syrinx
23. Far Cry

Bis
24. La Villa Strangiato
25. Working Man

Fotos: G1, Portal Terra, Jamari França

Ouça o podcast do Mofodeu sobre o Moving Pictures: Mofodeu 95

Ouça o podcast da Poeira Zine sobre o Rush: Poeira Cast 22


9.15.2010

Dance of Days - Disco Preto (2010)

O Dance of Days lança mais uma vez um dos melhores discos do ano. O tão aguardado "Disco Preto". Fato que acontece com todos os lançamentos do grupo desde 2001, quando lançaram o primeiro registro full-lenght do grupo, "A História não tem Fim". Mas desta vez a banda vem com uma sonoridade mais agressiva e punk do que em qualquer outro disco, o que irá surpreender quem esperava músicas mais voltadas para o rock tradicional e com uma produção mais limpa, como nos dois últimos discos, "A Dança das Estações", de 2009 e "Insônia 2008".
O disco abre com "Colheita Maldita", uma música punk, agressiva, rápida e direta, bem chute na porta, mostrando para o ouvinte qual será o tom do disco até o final. Logo em seguida vem "Esta é a Hora de uma Nova Partida", música disponibilizada na internet algumas semanas antes do lançamento oficial do disco. Uma das melhores do álbum, com uma levada bem característica das bandas nacionais de hardcore dos anos 90 e uma introdução de baixo muito boa. É a música que mais representa a idéia de uma retomada, de um recomeço, de resgate de uma cena punk/hardcore da forma que ela era até bem pouco tempo atrás.
A terceira faixa do cd é "Estorvo", com uma levada mais voltada para o hardcore americano da década de 80, lembrando muito Dag Nasty. Aqui há questionamentos como: “O que o punk virou?” e “O que eu me tornei?”, que caracterizam a reflexão sobre a renovação de valores e propósitos, temática presente em grande parte do disco. Uma das melhores também.
A faixa seguinte é "Mova", que mantêm a sonoridade punk/HC, mas com uma sonoridade mais suja e agressiva que as anteriores, lembrando a fase em que Nenê Altro, Marcelo Tyello e Marcelo Verardi, tocavam no Sick Terror. Na seqüência, outra música que pode ser classificada como uma das melhores do disco, "Falo Sério Não Nasci para o Tédio", uma faixa mais tranqüila e cadenciada, após uma sequência de músicas punk/HC.
"E Livrasse A Todos Que, Pelo Pavor Da Morte, Estavam Sujeitos A Escravidão Por Toda Vida", é a sexta faixa do disco e retoma a sonoridade mais agressiva. Aqui o ateísmo e as críticas as religiões ficam explícitas, mais do que em qualquer outra música do Dance of Days em que o tema é abordado.
A sétima faixa é Corona Australis, que já havia sido lançada na internet em 2009 e que foi regravada neste "Disco Preto". Aqui a música está mais forte, com uma versão mais pesada que a original, com as guitarras mais altas que o vocal, característica presente em todo o disco. Na sequência vem "Discórdia (Carro Bomba II)", que possui uma temática relacionada com a da música "Carro Bomba", do disco "A História Não tem Fim". Esta referência pode ser observada, principalmente, no primeiro refrão, em que Nenê grita “Mas minha vontade é te acertar, mandar toda essa porra pro ar”. Discórdia é tão doentia quanto "Carro Bomba".
"Garotos Perdidos e Ferris" e o "Queimador de Livros" são as duas próximas faixas e são as que contêm referências cinematográficas. A primeira faz referência ao filme "Lost Boys", enquanto a segunda é uma referência a "Ferris Bueller's Day Off", conhecido aqui no Brasil como "Curtindo a Vida Adoidado", todos dois ficaram bastante populares sendo exibidos na Sessão da Tarde na década de 90. Duas boas faixas, sendo que "Ferris e o Queimador" têm uma levada que lembra muito o já extinto grupo Noção de Nada.
Na sequência vêm as três músicas que encerram em grande estilo, e de forma mais tranqüila, um disco que começou mais agressivo. A primeira delas é "Um Sonâmbulo em seu Aquário", uma das faixas mais pessoais de Nenê Altro no disco. Traz uma sonoridade mais alternativa e o refrão mais contagiante do disco: “O meu sorriso não me traz / o que preciso para estar assim, bem comigo / Não me faz acreditar / que não há risco em ficar.” A penúltima música do disco é "Minha Lista das Pessoas que se Cansaram de Mim", que possui uma das letras mais melancólicas do disco. As duas também estão entre as melhores do "Disco Preto".
O Dance of Days tem como grande mérito, escrever boas faixas de encerramento de discos. E neste não é diferente. Comparando com as outras, "Repetindo Frases e Rimas" se aproxima bastante de "A Vitória (ou Coisa que o Valha)", devido ao clima mais para cima da música e da letra. Ela possui um fim perfeito para a música e para o disco, com os seguintes versos: “E se pensar em mim / é só tocar seus discos / e me dar uma ligada.”
O "Disco Preto" do Dance of Days traz uma sonoridade mais agressiva e punk, com letras mais simples e diretas. É uma grande referência para uma nova partida, uma retomada e renovação de valores. Um dos melhores discos do ano.

As cinco melhores do disco:

1 – Minha Lista das Pessoas que se Cansaram de Mim
2 – Falo Sério, Não Nasci para o Tédio
3 – Um Sonâmbulo em seu Aquário
4 – Estorvo
5 – Esta é a Hora de uma Nova Partida

Faixa a Faixa - Nenê Altro (Dance of Days)
publicado originalmente em: nenealtro.wordpress.com

COLHEITA MALDITA. Desde o princípio quis que esse disco fosse um dos mais agressivos de toda história da banda. Essa foi uma das primeiras músicas que fizemos nesse novo trabalho. A letra é clara, direta, como toda canção punk deve ser. E tentei falar sobre essa ligação que nós temos com o público, com as “crianças do campo”. Porque faz tempo que a gente deixou de ser só banda e passou a ser a voz de muitos de nossos fãs.
ESTA É A HORA DE UMA NOVA PARTIDA. Acima de tudo somos uma banda de hardcore. Uma banda punk. E queríamos fazer uma música bem old school, que é o que mais gostamos de tocar. Acho que saiu meio Ignite, Uniform Choice… E essa letra é um tabefe na orelha. Mas, por favor, não é uma musica “anti-coloridos” como falam por aí. Seria algo muito fútil pra se falar numa música. É uma letra contra conformismo e estagnação, algo sério, e buscando mostrar que não basta reclamar de tudo, tem que fazer acontecer.
ESTORVO. Como não poderia deixar de ser, em todos os discos do Dance of Days, minhas letras são pessoais. E Estorvo fala muito do momento que estou vivendo, não em relacionamentos mas na vida toda mesmo, de renovação de valores e propósitos. Me vi num ciclo vicioso nos últimos anos que não me deixava produzir, trabalhar, seguir adiante. Me sentia preso nesse estorvo e este foi um grito de basta. Gosto bastante da música também. É tipo Dag Nasty do “Can I Say” hahaha
MOVA é uma música punk. Diretona. Acho que traz um pouco de nossas raízes no Sick Terror (minha, do Tyello e do Verardi) e tem também influência de uma das bandas que me motivaram a formar o Dance of Days, o Endpoint, que posteriormente se tornou By The Grace of God. A letra tem toda essa contestação de valores sociais, sobre o que estamos fazendo nos tornando o próprio produto da sociedade de consumo. E pensei também em algo tipo aquele poema clássico do “first they came for the communists and I didn´t speak up…” pra concluir na hora em que estava escrevendo.
FALO SÉRIO, NÃO NASCI PARA O TÉDIO é mais outra bem pessoal. O Tyello diz que estamos todos na crise da meia idade punk, que enquanto o Marcelo compra um Maverick eu vou e faço uma tattoo do Crass hahaha Mas tudo o que escrevi tem a ver comigo mesmo, com o que quero de minha vida e de meus dias. E, claro, casa muito com o que todos eles querem dizer também… O som me lembra Husker Du, um pouco de Dischord Records, pelo menos foi no que me inspirei…
E LIVRASSE A TODOS QUE, PELO PAVOR DA MORTE, ESTAVAM SUJEITOS A ESCRAVIDÃO POR TODA VIDA é influenciada por essa geração do hardcore, Boy Sets Fire, By The Grace of God, Refused… que não deixa de ser a nossa geração também né? Acho que a pegada lembra um pouco Corvos Do Paraíso. E quanto a letra, bom, sou ateu. E se os crentes tem direito a fazer canções de louvor eu também tenho direito a fazer as minhas de descrença e auto suficiência. Fim. E cada um na sua. Acho que ficou bem mais explícita que Vinde A Mim. Mas acho bom isso. Pelo menos as pessoas me entendem de uma vez por todas. Uma curiosidade é que eu não tinha título pra essa música até o dia da gravação e ganhei ele num desses panfletinhos que as senhoras ficam entregando no metrô…
CORONA AUSTRALIS foi uma das faixas que adorei ter regravado. Ficou mais pesada que o single. Acho que o timbre old school desse álbum e a pegada rápida de gravação, sem muita frescura, deram uma cara mais forte a música. Sempre me lembrou bastante ATDI na fase “Acrobatic Tenement” sabe… gosto bastante. A letra tem a ver com cair e se levantar, encarar a depressão… ainda faz muito sentido pra mim.
DISCÓRDIA (CARRO BOMBA II) é mais uma old school, só que mais punk, tem uma parte meio Black Flag, “I waaaaaaaaaaas so waaaaaaaaaaasted” sabe, gingadona e quebrada, mas tem refrão desgraceira. Gostei muito. E gostei muito de abordar essas temáticas no Dance of Days. Tem o subtítulo Carro Bomba II porque o estilo da letra me remeteu muito a outra música. Acho que muita gente vai fazer esse link.
GAROTOS PERDIDOS é uma das mais legais do disco. Se não for a mais legal. Rock anos 80 sabe, The Cult, TSOL fase “Change Today?”, letra de instisfação, protesto, toda essa vibe… Acho que é uma de minhas preferidas. É tão crua que nem tem muito o que falar dela. É uma música foda pra cacete de tocar, só isso. E o nome é uma relação do sentido da letra com aquela vibe do filme The Lost Boys dos meninos vampiros. Total anos 80 né?
FERRIS E O QUEIMADOR DE LIVROS me remeteu muito a Um Canto Para Caronte quando estávamos compondo. Só que mais base cheia, mais pesadona, refrão heróico… Fala de conflitos internos, de solidão, mas tudo numa forma poética que mistura Montag de Farenheit 451 com Ferris Bueller e Hy Brasil de “Erik o Vicking”. Adoro essas coisas. Brincar com essas referências e no final dar um sentido a tudo… Não estamos afundando… Não estamos afundando…
UM SONÂMBULO EM SEU AQUÁRIO. Essa é a única letra que fala sobre relacionamentos pessoais nesse disco. Aliás é uma das poucas do Dance que fala disso, ao contrário do que muitos imaginam. Tem a ver com essa dificuldade que eu sinto em ter satisfação com o que tenho. Tem um refrão fortão nesse sentido, “O meu sorriso não me traz o que preciso pra estar assim, bem comigo. Não me faz acreditar que não há riscos em ficar”… Enfim. A TV está em mim… é difícil então conseguir mudar de canal.
MINHA LISTA DAS PESSOAS QUE SE CANSARAM DE MIM começa com a introdução de Os Funerais do Coelho Branco porque fala mais ou menos da mesma coisa, seis anos depois do lançamento da Valsa de Águas Vivas. Escrevi uma coisa assim esses dias: “Solidão é assim, a gente tenta dividir mas nunca consegue”. E meio que é isso mesmo. Acho que é a coisa mais pessoal que o ser humano pode ter na vida; sua própria solidão.
REPETINDO FRASES E RIMAS fecha o disco com um ar mais “up”, tipo A Vitória, sabe? Tem muito da mensagem de Café Gelado, de Interlúdio, de viver a vida sem se importar com o que os outros pensam. Acho que essa é uma das mensagens de rebeldia mais presentes nas músicas do Dance of Days. “Gosto de te ver sorrir. Eu já te disse no outro disco. Mas teu sorriso tem que ser teu. É muito mais bonito, já conheço o meu. Tenha sua cabeça, não quero ser exemplo. Pode ser clichê, mas seja você mesmo. E não deixe que te digam qual vai ser o seu caminho. Pra ser outra pessoa é melhor ficar sozinho“. E é isso aí.

Confira abaixo as letras do Disco Preto:

1 – COLHEITA MALDITA

Vomito o coração, de olhos abertos ergo meus punhos ao céu.
Do peito um grito se rasga aflito: Nunca mais submissão!
A colheita maldita aponta e indica: as crianças têm o poder.
É o fim senhores, as crianças cresceram e estão prontas para colher.

As canções proibidas correm nas veias: É hora de atacar.
Em cada olhar uma bandeira, a mesma vontade de gritar.
As crianças do campo cresceram!!
As crianças do campo cresceram!!
O coração de tróia entrou e explodiu: É hora de infestar.

Este é o tempo.
Essa é a nossa vez.
Crianças do campo o mundo é de vocês.

2 – ESTA É A HORA DE UMA NOVA PARTIDA

Agora você diz que cresceu,
que não se importa mais, que tudo morreu.
E deixa tomarem assim
o que lutamos tanto pra construir.
Consomem tudo o que acreditamos,
entopem as rádios de tudo que odiamos
e você aí parado reclamando
vê tudo ruir e diz não estar se importando.

Onde está você? Onde estou eu?
Será que vamos perder tudo o que amamos
por entre nossos dedos
sem resistir, sem mostrar que vivemos?
Será que ainda vê TODA FORÇA QUE TEMOS?

Posso ser tolo, mas meu coração
bate ainda a mesma canção.
E eu não vou me render a essa pilha de lixo,
a essa briga por restos, a essa gente feito bicho
brigando pra ser o foco do momento
e tomando o que foi de nosso movimento.
Que se fodam eles,
eu me sinto novo, cheio de energia
e vou brigar de novo.

Olhe pra você, pare agora,
tente entender, foi por tão pouco.
Roupas diferentes, “beber X não beber”,
“amor X protesto”, não nos deixaram ver
que roubavam aos poucos TUDO QUE NOS FAZ VIVER.

Enquanto nos engolimos em diferenças pequenas
eles destruiram tudo e tomaram a cena.
Mas eu sei tanto quanto você
o que é de verdade e o que não vai morrer
dentro dos corações
dos que enchem os olhos gritando refrões
que dizem a verdade sobre suas vidas.
Esta é a hora de uma nova partida.

3 – ESTORVO

Eu estou cansado
de morrer todos os dias.
É.
De morrer por você.
De morrer por meus erros.

Cansado de aceitar,
de não ver nada acontecer.
Engasgado com tantas palavras
e sempre cercado de gente errada
que não me deixa seguir em frente…
Que não me deixa gritar.

O que o punk virou?
O que eu me tornei?
Estou cansado de estar perdido.
Quero voltar a ser eu.

Cansado de falar.
De ver você fingir entender.
Cansado de nivelar por baixo
pra não sentir que não me encaixo.
Mas não é só porque estou aqui
que vou desabar.

Distração X Solidão:
Tudo aqui me cansa!
Afirmação X Projeção:
Você me dá preguiça!
Eu não tenho nada
A ver com você!!!

Se não pode mudar
é melhor me esquecer.
Que o meu saco não agüenta.
Daqui a 20 eu vou ter 60.
E eu não quero olhar pra trás
e ainda te ver lá.

4 – MOVA

Mova. Esse é seu lugar. Essa é sua parte na máquina. Mova. Mova.
Mova a falta de esperança. A desilusão. O olhar em distância. Mova. Mova.
Mova toda a culpa nas veias. A indiferença. Os canais de compras. Mova. Mova.

Mais um café. Mais outro cigarro. Falta de fé na vida.
Um escarro direto no olho. Pilhas de papéis. Nenhum socorro.
O peso nos pés do vazio da alma. Dinheiro dinheiro. Nada te acalma.
Viril brasileiro tua pátria te esfola. Mata suas crianças.
Vai te jogar fora. Apagar tuas lembranças.

Mova sua nova TV. A comida sem gosto. Sua pilha de contas. Mova. Mova.
Mova o sistema falido. A fome nas ruas. O valor esquecido. Mova. Mova.
Mova o Estado que escraviza, as leis que te sugam, a polícia assassina. Mova. Mova.
Mova todo desencanto, o pai, o filho e o espírito santo. Mova. Mova.

O olhar no espelho não encontra ninguém. Não sabe quem é ou se foi alguém.
O trabalho consome, o dinheiro não basta, o relógio sufoca, a rotina te acaba.
Você diz que “Viver é aprender a pisar”, que “ Sempre foi assim e nunca vai mudar.”
Então que se foda, não pense nos outros,
mas não espere ajuda ao gritar por socorro.

Porque é fato, um dia eles vão vir por você.
Derrubar sua porta. Te caçar a noite.
Já não serve mais. Vão vir te mover.

5 – FALO SÉRIO, NÃO NASCI PARA O TÉDIO

Pode ser que eu esteja envelhecendo.
Mas eu quero mais.
Quero paz.
Quero viver bem mais.
Gostar de mim.
Simples assim: bem mais.

Tantas coisas pra dizer.
Tão pouco tempo pra esperar.
Num piscar de olhos tudo se vai.
O que hoje é, amanhã nunca mais.
Os dias vão dançar.

Que viver assim,
só pra correr atrás,
me cansa.
Eu não sou como você.
Tudo aqui está tão bem
mas não me diz mais nada.

Tantas coisas pra dizer.
Tão pouco tempo pra esperar.
Num piscar de olhos tudo se vai.
O que hoje é, amanhã nunca mais.
Os dias vão dançar.

Eu que não vou ficar aqui
fingindo estar contente.
Sentado nessa praça, com cara de estátua,
perdendo meus dentes.

Tantas coisas pra dizer.
Tão pouco tempo pra esperar.
Num piscar de olhos tudo se vai.
O que hoje é, amanhã nunca mais.
Os dias vão dançar.

Falo sério, não nasci para o tédio.

6 – E LIVRASSE A TODOS QUE, PELO PAVOR DA MORTE, ESTAVAM SUJEITOS A ESCRAVIDÃO POR TODA VIDA

Não, não vou seguir sua luz.
Seu perdão não me interessa.
Não, não sou um pote vazio pra você encher de lixo.
Não tenho que agradar ninguém nem medir palavras:
Eu não compro seu Deus.
Não compro sua farsa.
Não vou me ajoelhar a seu livro sexista
de guerras e desgraças, julgamentos e mentiras.
Não, não vou me ajoelhar pra você.
Não vou me drogar com seu Deus
só pra me curar do vazio que você me deu
arrancando de mim a minha inocência e
trocando minhas pernas por suas muletas.
Não, você não vai mais arrancar nada de mim.
Não preciso de você pra provar minha existência.
Hoje eu vejo alem… alem dos seus muros, alem de suas feridas.
Não quero mais você nem suas mentiras.
Seus templos de miséria, sua história de covardia.
Não quero mais você nem sua porra de doutrina.
Sua igreja não me diz nada.
Sua vontade não me diz nada.
Não sou mais um fraco de joelhos.
Não sou mais o que apanha e diz amém.

7 – CORONA AUSTRALIS

Corona Australis despencou do céu.
Os bares fecham e é tudo tão vazio.
Caput Kaput Caput
Caput Kaput Caput
O olhar não mais se levantou
e o serpentário não me ressuscitou…
Não me ressuscitou…

Nada demais…
E eu espero não saber de um novo dia.
Hades já vai pedir as contas
e então vou esquecer…

Luther Blisset ninguém sabe onde está
e o telescópio mente.
Caput Kaput Caput
Caput Kaput Caput
Eu tranco as portas e não vou
atender mais ninguém.

Deixai a esperança…
“Deixai a esperança ó vós que entrais”
em minha casa pra tentar me encontrar.
Que já não sou mais tão inocente,
mas não quero ainda crescer…

Sun Tzu e Saint Seiya
Sun Tzu e Saint Seiya
Sun Tzu e Saint Seiya
Sun Tzu e Saint Seiya

Lá, lá, lá no céu radiante
vou, vou, vou voar sem destino.
Vou brilhar em chamas no espaço
e acordar todos os vizinhos.

Corona Australis despencou do céu.

8 – DISCÓRDIA (CARRO BOMBA II)

Faça mais barulho.

É, eu sou um poço de raiva mas eu tento ter foco.
Sociopata urbano, coração insano, meu desafio é ter foco.
Quando eu vejo demais, penso demais, isso as vezes não me faz bem.
Tanta gente escrota com Jesus na boca em Mercedes Benz.

Estou cansado de ver tanta violência logo quando acordo e lembrar de você.
Sou um carro bomba e cago pra suas compras Channel ou D & G..
No meu bairro as pessoas se esfaqueiam por qualquer porra que seja
e derrubam no chão sangue de escravidão, o óleo que move o sistema.

Discórdia. Discórdia.
Mas minha vontade é te acertar, mandar toda essa porra pro ar.
Discórdia. Discórdia.

Usam a pior das armas pra te manter passivo, usam a ignorância.
Controlam as escolas, educam as crianças vomitando propaganda.
Tente enxergar, a ascensão social que eles pregam é só pros filhos deles.
Conheça o inimigo, não fique de joelhos, não venda sua mente.

Discórdia. Discórdia.
Alguma coisa tem que ser feita, é hora de ação, hora de desrespeito.
Discórdia. Discórdia.

Desligue sua TV e leia 1984 (desconfie dos vermelhos).
Entenda Malatesta, Emma Goldman, Durruti.
Seja alguém verdadeiro, não pise nos outros e comece por você.
Acima de entender, faça.
As rádios mentem: é tudo criado pra você não pensar em nada.

Faça mais barulho. Faça mais barulho.
Faça sua raiva derrubar os muros.
Discórdia. Discórdia.
Faça sua raiva derrubar os muros.

9 – GAROTOS PERDIDOS

Queime, queime, queime…

Pra onde eu vou?
Onde vai você?
Será que o tédio nos travou de sonhar?
Sem rumo, perdidos,
mas sabendo bem
que essa é a hora da cidade acordar.

E que essa alma não se acalma.
Nunca quer voltar pra casa.
Que essa hora nunca chega
e guardamos tanta raiva.

Incendiarei metrópoles.

Não temos destino.
Não temos mais ninguém.
As utopias sumiram pelo ar.
E é tão impossível que nos faz tão bem
e nos dá tanta vontade de aprontar…

Queime, queime, queime…

Incendiarei metrópoles.

Eu vou.
Eu sou.
E espero você.

10 – FERRIS E O QUEIMADOR DE LIVROS

Sinto no ar um sabor que faz arder a alma.
Ectoplasmas brincam de esconder.
Nuvens alaranjadas forram todo céu,
refletem rubras no reflexo do véu
que cobre o mar escuro que jamais se abriu me salvar.

Hoje eu vou morrer como luz de estrela,
aos poucos, pra ver desaparecendo
todos discursos em que me agarrei,
cada planeta em que dancei,
pois irmão, já me fui há tempos.

Sorri quando te vi, parada assim olhando para mim.
Fazendo juras de não me esquecer, esquecer, esquecer…
Nossos pais são crianças e eles vem
me dar as mãos e dizer que tudo bem,
“vamos pra casa então que a festa acabou”.

O poeta errou, Hy Brasil afunda,
e sei, não vou nem saber se estive lá.
Ou se sangrei as frutas proibidas
que brilharam meus olhos.
Injusto demais. Como tudo aqui.

Point, Counter Point.

Vou então, Ferris Bueller está solto
e tão certo de que Montag
vem inflamar em quatro cinco um
cada perigo até não sobrar,
pois já não consegue mais estar bem…

11 – UM SONÂMBULO EM SEU AQUÁRIO

Foi vertigem, eu sei…
Sorri…
E pra consertar tentei dizer que tudo bem,
que estou bem pra voltar…
Mas tudo aqui está longe demais
e meus pés não me deixam em paz.
Não quero que me vejam rastejar.

O meu sorriso não me traz
o que preciso pra estar assim, bem comigo.
Não me faz acreditar
que não há riscos em ficar.

Do que eu sempre quis
a vontade nunca passou.
Outro sábado sem gosto a mais pra contar.
O relógio grita, ninguém vai ligar,
as séries repetem em todos os canais
e é tarde demais pra sair ou pra ficar…

O meu sorriso não me traz
o que preciso pra estar assim, bem comigo.
Não me faz acreditar
que não há riscos em ficar.

Tudo aqui… longe demais…
Desperdício… tanto faz…
Não é assim nos filmes.
Não devia ser.
A TV está em mim,
e mesmo quando desliga,
por preguiça de levantar
me rendo ao que está no ar…

12 – MINHA LISTA DAS PESSOAS QUE SE CANSARAM DE MIM

É tarde e eu não voltei.
Fechei os olhos
e pedi pra me esquecer:
- Me deixa em algum lugar
que eu não conheça dessa vez…

Talvez seja demais…
Talvez seja demais…
Talvez seja mais peso que eu possa suportar
em qualquer lugar,
tentando fingir que não sou eu.

Ouviram mil vezes
minhas mesmas estórias diferentes:
- Me deixa então te dar
um outro nome que inventei…

Me deixa então contar…
Me deixa então ligar,
discar um numero
de quem não sei nem o nome,
mas que pode me ouvir chorar sem me perder.

Tenho medo de dormir.
Medo de não acordar.
Tenho medo de acordar
e ainda estar aqui.

Olhar em volta e não ter mais volta.
A barba por fazer
e um nome a mais pra anotar
em minha lista das pessoas
que se cansaram de mim.

Seis anos e nada mudou.
O gosto das cinzas ainda está no chão.
Nem os peixes comeram os bolos que deixei
quando a luz apagou.

13 – REPETINDO FRASES E RIMAS

Quem nunca esteve assim?
Eu, que sou sempre o mais perdido,
escrevi meu nome tantas vezes no chão.
Mas sempre me levanto.
Sempre digo não.
Meu pai sempre dizia: “- O que eu fiz de errado?”
Que sou desobediente e tão mal educado.
Mas no fundo sabia que eu só conseguia
se fosse do meu jeito e como eu queria.

Gosto de te ver sorrir.
Eu já te disse no outro disco.
Mas teu sorriso tem que ser teu.
É muito mais bonito, já conheço o meu.
Tenha sua cabeça, não quero ser exemplo.
Pode ser clichê mas seja você mesmo.
E não deixe que te digam qual vai ser o seu caminho.
Pra ser outra pessoa é melhor ficar sozinho.

Que eu, há tempos na estrada
ainda escuto tanta coisa chata.
Tanta gente ainda não aceita
que eu viva a vida da minha maneira.
E que eu repita frases e rimas
só pra dizer que não perco meus dias
com a cara grudada na vidraça
sentindo o gosto de uma vida sem graça.

E, se pensar em mim,
é só tocar seus discos
e me dar uma ligada.

Ouça o Disco Preto - http://tramavirtual.uol.com.br/musica/playlist/dynamic/disco/56578