11.24.2010

Paul McCartney – Estádio do Morumbi – 21/11/2010

Sabe quando você acorda cedo, quer voltar a dormir, mas uma ansiedade toma conta de você, algo que lhe diz pra levantar logo, porque aquele será um dia especial, um dos melhores da sua vida? Então, foi assim que eu me senti quando acordei neste último domingo, dia 21 de novembro de 2010, quando acordei em São Paulo. O mesmo deve ter acontecido com diversos outros fãs também. A ansiedade era grande porque neste dia iria presenciar o show de um dos maiores artistas do último século, Paul McCartney, compositor de algumas das mais lindas músicas já feitas em toda a história da música.
Esta não é a primeira vez que Macca vem ao Brasil. A primeira passagem do ex-beatle pelo país foi em 1990, quando tocou para 184 mil pessoas no Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro. Público recorde em uma apresentação de um artista solo. Em 1993 Paul voltaria ao Brasil para duas apresentações, uma no Estádio do Pacaembu em São Paulo e outra na Pedreira Paulo Leminski, em Curitiba.
Nesta terceira passagem pelo país, após 17 anos, Paul não tocou no Rio de Janeiro e nem em Curitiba, mas realizou um show na cidade de Porto Alegre, no dia sete de novembro, no Estádio Beira-Rio e mais duas apresentações em São Paulo, nos dias 21 e 22 de novembro, no Estádio do Morumbi. Além do Brasil, Paul McCartney também fez shows em Buenos Aires, na Argentina, nos dias 10 e 11 de novembro, no Estádio do River Plate.
No início da tarde os arredores do Estádio do Morumbi já começava a ficar cheio de fãs à espera da abertura dos portões, que estava marcada para as 17h30min. Neste horário as filas já estavam grandes, mas não houve problemas ou confusões, apenas os mesmos acontecimentos de sempre em shows desse tipo no Brasil, mal educados querendo furar fila, falta de organização das mesmas e policiais mais preocupados em assustar e pegar mercadorias de pessoas que estão apenas tentando trabalhar do que impedir a venda de ingressos pelos cambistas ou impedir que bandidos cobrassem valores exorbitantes por uma vaga de estacionamento na rua. Também houve uma demora maior na abertura dos portões da pista, pois a fila só começou a andar mesmo por volta das 19h. Mas, a princípio, não houve qualquer tipo de problema para a entrada do público.
Às 21h o Estádio do Morumbi já estava completamente tomado e a ansiedade começava a aumentar a cada minuto que se passava. Era pouco mais de 21h30min quando as luzes se apagaram e o estádio passou a ser iluminado apenas pela luz da bela lua cheia que estava no céu aquela noite. A euforia passou a tomar conta dos presentes e quando os primeiros acordes e versos da introdutória “Venus and Mars” começaram a ser executados por Paul McCartney e banda, sendo seguida por “Rock Show”, a felicidade podia ser vista nos rostos de cada um dos presentes que estavam próximos. Estas duas músicas também deram início aos shows de Paul em Porto Alegre e o primeiro em Buenos Aires.
Na sequência veio “Jet”, música presente em “Band on the Run”, melhor disco dos Wings, grupo que Paul formou com sua esposa Linda após o fim dos Beatles. Um rock de levantar qualquer arena. “All My Loving” foi a primeira dos Beatles a ser executada e arrancou lágrimas desse que vos escreve, assim como “The Long and Widing Road”, uma das músicas mais belas de todos os tempos. Mas antes desta ser executada, teve-se ainda: Letting Go, Drive my Car (grande Rock´n´Roll dos Beatles), Highway e Let me Roll It, em que a banda executou “Foxy Lady”, um dos grandes clássicos de Jimi Hendrix.
Após as músicas “1985” e “Let me In`”, Paul McCartney volta ao piano para a execução de “My Love”, talvez a mais bela balada dos Wings. Outra de fazer lágrimas rolarem. Antes de começar esta música ele diz: “Está música eu compus para a minha gatinha Linda, mas hoje ela é dedicada a todos os namorados”. Sim, ele falou tudo isso em português, assim como quase todos os outros diálogos dele com o público. Aos 68 anos, Paul McCartney mostrou que está em ótima forma no palco e que é um grande showman.
Depois deste belo momento do show vieram três grandes clássicos dos Beatles, “I`ve Just Seen a Face”, “And I Love Her” e “Blackbird”. A segunda homenagem da noite aconteceu em “Here Today”, música lançada em 1982 e que Paul compôs em homenagem a John Lennon, que havia sido assassinado dois anos antes. O amigo com quem formou a maior parceria de composição de músicas no último século voltaria a ser homenageado mais a frente, quando o Paul e banda tocaram “A Day in the Life” seguida do refrão de “Give Peace a Chance”. É emocionante ver mais de 60 mil pessoas cantando um dos maiores hinos pacifistas do mundo. É esse tipo de momento que te faz acreditar que o mundo ainda poderá ser melhor, sem guerras, sem fome, sem violência, sem preconceitos...
Em seguida a banda executou a música “Dance Tonight”, presente no último disco solo de Paul, o bom Memory Almost Full, de 2007. Esta, junto com “Highway” e “Sing the Changes”, foram às únicas gravadas por Macca nesta última década que estiveram presentes no set list, que priorizou a carreira do músico durante as décadas de 60 e 70 e que, curiosamente, não teve nenhuma música gravada por Paul nas duas décadas seguintes, 80 e 90.
A próxima música, “Mrs. Vandebilt”, foi lançada no disco “Band on the Run”, dos Wings, em 1973. Apesar de ser uma boa música, soar muito bem ao vivo e ter um clima agitado e divertido, com melodias que lembraram canções do Leste Europeu, ela nunca havia sido tocada em um show de Paul antes de 2008, quando foi executada em Kiev, capital e maior cidade da Ucrânia, após vencer uma votação na internet. A partir de então, ela nunca mais saiu do set list.
“Eleanor Rigby” veio em seguida, sendo executada apenas pelo tecladista Paul Wickens e por Paul McCartney no violão, com os outros integrantes do grupo fazendo os backing vocals. Ela abriu caminho para outra grande homenagem da noite, ao ex-companheiro de Beatles, George Harrison. Macca trocou o violão por um Ukelele (instrumento parecido com o violão e muito utilizado nas músicas nativas havaianas) e tocou mais uma das mais belas canções dos Beatles, “Somethig”, composta por Harrison. Outro momento especial e inesquecível, que emocionou o público.
Um dos maiores hits de Paul McCartney na fase pós-Beatles, “Band on the Run”, veio após “Sing the Changes” e foi à última música dos Wings na noite, que ainda estava longe de acabar, para a alegria de todos os presentes.
Após estas músicas, teve-se o início do desfile de clássicos dos Beatles. A primeira foi “Obla Di Obla Da” que, particularmente, não acho que seja uma das melhores do quarteto de Liverpool, mas funciona muito bem ao vivo, com uma levada bem animada e dançante. O rockão “Back in the U.S.S.R” veio logo depois, levantando ainda mais o público no Estádio do Morumbi. Em seguida ainda vieram “I`ve Got a Feeling”, “Paperback Writer”, “A Day in the Life” e Let it Be”. A sequência de clássicos dos Beatles só foi interrompida para a execução do hit “Live and Let Die”, que emocionou o público e Paul McCartney, que ao final da música ficou parado, diante de seu piano, observando o público como se não estivesse acreditando no que estivesse vendo, logo ele, tão acostumado a tocar para as maiores platéias do planeta. Encerrando a primeira parte do show, “Hey Jude”, que fez com que todos cantassem juntos o belo e simples refrão.
No primeiro bis os destaques ficaram por conta de “Get Back”, com os ótimos solos de guitarra e piano. Uma das músicas mais pesadas gravadas pelos Beatles. Antes dela teve-se ainda “Day Tripper” e “Lady Madonna”. Esta última poderia ser facilmente descartada para a entrada de músicas como “Penny Lane” ou “Magical Mystery Tour”, que inclusive fez parte do set list dos segundos shows de Buenos Aires e São Paulo.
Mas, opiniões particulares à parte, o segundo bis veio logo na sequência, com um intervalo bem curto entre um e outro, e teve início com a mais bela canção já composta por Paul, “Yesterday”. Depois veio “Helter Skelter”, com riffs pesados de guitarra e vocal rasgado de Paul. Esta música é considerada por muitos como precursora do Hard Rock e Heavy Metal, estilos que se tornariam populares na década de 70. As duas últimas músicas deste grande espetáculo foram “Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (Reprise)” e “In the End”, que encerraram de forma espetacular um show que teve aproximadamente três horas de duração. Nada mau para um senhor de 68 anos que, mesmo após várias décadas tocando em estádios, ainda se emociona com o que faz.




SET LIST
01. VENUS AND MARS / ROCKSHOW - Venus and Mars 1975
02. JET - Band On The Run 1973
03. ALL MY LOVING - With The Beatles 1963
04. LETTING GO - Venus and Mars 1975
05. DRIVE MY CAR - Rubber Soul 1965
06. HIGHWAY - Electric Arguments 2008 Fireman Paul e Youth
07.LET ME ROLL IT - Band On The Run 1973 - cita Foxy Lady, de Jimi Hendrix
08. THE LONG AND WINDING ROAD - Let It Be - 1970
09.1985 - Band On The Run 1973
10.LET 'EM IN - Wings At The Speed Of Sound 1976
11. MY LOVE - Red Rose Speedway 1973
12. I´VE JUST SEEN A FACE - Help! 1965
13. AND I LOVE HER - A Hard Day's Night 1964
14. BLACKBIRD - The Beatles (Album Branco) 1968
15. HERE TODAY - Tug of War 1982 (homenagem a John Lennon)
16. DANCE TONIGHT - Memory Almost Full 2007
17. MRS VANDERBILT - Band On The Run 1973
18. ELEANOR RIGBY - Revolver 1966
19. SOMETHING - Abbey Road 1969 (homenagem a George Harrison)
20. SING THE CHANGES - Electric Arguments 2008 Fireman
21. BAND ON THE RUN - Band On The Run 1973
22. OBLA DI OBLA DA - The Beatles (Album Branco) 1968
23. BACK IN THE USSR - The Beatles (Album Branco) 1968
24. I'VE GOT A FEELING - Let It Be 1970
25. PAPERBACK WRITER - Single 1966
26. A DAY IN THE LIFE - Sergeant Pepper's Lonely Hearts Club Band 1967
27. LET IT BE - Let It Be 1970
28. LIVE AND LET DIE - Tema do filme de James Bond 007 - Viva e deixe morrer 1973
29. HEY JUDE - Single The Beatles 1968

ENCORE 1
30. DAY TRIPPER - Single The Beatles 1965
31. LADY MADONNA - Single The Beatles 1968
32. GET BACK - Let It Be 1970

ENCORE 2
33. YESTERDAY - Help! The Beatles 1965
34. HELTER SKELTER - The Beatles (Album Branco) 1968
36. SGT PEPPER (Reprise)  - Sergeant Pepper's Lonely Hearts Club Band 1967
THE END - Abbey Road 1969

Fotos: G1 e R7
Set List: Blog do Jamari França

11.12.2010

Millencolin - Pennybridge Pioneers 10 Years Anniversary Tour.

Na quinta-feira, dia 11 de novembro, os suecos do Millencolin iniciaram em Porto Alegre a quarta tour da banda pelo Brasil, que também passou pelo país nos anos de 1998, 2006 e 2008. Mas desta vez os shows serão mais do que especiais, pois serão em comemoração aos 10 anos de lançamento do disco Pennybridge Pioneers, lançado em 2000, um dos melhores da discografia do grupo e que está sendo tocado na íntegra na tour mundial Pennybridge Pioneers 10 Years Anniversary Tour.
Além de Porto Alegre, o grupo passará por Curitiba, dia 12/11, Rio de Janeiro no dia 13/11 e São Paulo, no dia 14/11. Vale lembrar que a banda Fistt, de Jundiaí, interior de São Paulo irá realizar os shows de abertura no Rio e em São Paulo. No RJ, a banda carioca Phone Trio também participará do evento, fazendo show de lançamento do novo disco Huston, We Have a Problem. Vale lembrar que os paulistas ainda terão a oportunidade de assistir, no dia 15/11 a apresentação de Nikola Sarcevic, tocando músicas da carreira solo, que fazem parte dos discos Lock-Sport-Krock (2004), Roll Roll and Flee (2006) e Nikola & Fattiglapparna, lançado em março deste ano e o primeiro que ele lança com todas as letras em sueco.

Início do Millencolin e os Primeiros Discos

 O Millencolin foi formado em Outubro de 1992, na cidade de Örebro, na Suécia, pelos músicos Nikola Sarcevic (vocais e baixo), Erik Ohlsson (guitarra), e Mathias Färm (bateria). Com esta formação, eles gravam a primeira demo tape do grupo, chamada Goofy, lançada no início de 93.
Mas esta formação não duraria muito tempo, já que, logo depois do lançamento desta demo tape, entra para o grupo Fredrik Larzon, que assume as baquetas e Mathias Färm passa a ser o segundo guitarrista. Com esta nova formação, que é a mesma até hoje, o grupo lança mais uma demo tape, chamada Melack, lançada no verão europeu daquele mesmo ano.
A receptividade do público é boa e o grupo entrega as demo tapes para a Burning Heart, selo também da Suécia e também formado naquele ano de 1993. Este ano acaba sendo de grande trabalho para o grupo, pois em novembro o selo Burning Heart oferece a oportunidade da gravação de um EP e eles lançam, Use Your Nose, com seis músicas, algumas sendo retiradas das duas demo tapes, mas com uma melhor sonoridade, devido a melhora da qualidade da gravação.
Em julho de 1994, o EP Skauch é lançado também pela Burning Heart. Inicialmente, o disco era para ser um single da música “The Einstein Crew”, mas os integrantes do Millencolin decidiram gravar mais algumas covers e o álbum acabou contando com um total de seis músicas, incluindo "Coolidge", do Descendents e “Knowledge” do Operation Ivy e regravada por diversas bandas de hardcore.














Em outubro daquele mesmo ano chega as lojas européias o primeiro full-lenght do grupo, intitulado de Tiny Toons, em homenagem ao desenho animado Tiny Toon Adventures, trazendo uma capa também inspirada nesta série televisiva. A homenagem trouxe problemas para o grupo, que sofreu com um processo do grupo de entretenimento Warner Bros, dona dos direitos autorais da marca Tiny Toon Adventures. Em seguida, foi a vez da The Walt Disney Company, outro grande conglomerado capitalista de mídia e entretenimento do planeta querer arrancar dinheiro de uma simples banda independente em início de carreira. O motivo desta vez foi o título da música “Disney Time”. Em 96 o álbum foi relançado com outra capa e com o título de Same old Tunes. A música “Disney Time” teve o nome alterado para “Diznee Time”.
Mesmo com todos estes problemas jurídicos, o Millencolin continuou a excursionar durante o ano de 1995 e em agosto entraram em estúdio para gravar o segundo disco, Life on a Plate, lançado em outubro daquele ano. Na turnê deste álbum, o grupo tocou pela primeira vez fora da Escandinávia e recebeu uma proposta do selo Epitaph (que lançou grupos como Offspring, Bad Religion, Pennywise, NOFX e Rancid) para lançar os dois primeiros discos do grupo nos EUA.
Com o crescimento da popularidade do Millencolin por todo o mundo, o grupo volta, em janeiro de 1997, aos estúdios Unisound, na terra natal da banda e onde gravaram os dois primeiros álbuns, para a gravação do próximo disco, For Monkeys, lançado em abril e maio daquele ano, na Europa e nos Estados Unidos respectivamente.
Com este disco, o grupo realiza turnês por diversos países do mundo, como Japão, Austrália, Brasil e Canadá; além de serem convidados a participar de um dos maiores festivais itinerantes do mundo, a Warped Tour, nos EUA.
 
A Nova Explosão do Punk no Mundo

Toda esta popularidade crescente do Millencolin e de diversas outras bandas de hardcore melódico na segunda metade dos anos 90 se deu, além da ótima qualidade de muitas delas, ao grande boom do punk em 1994 com o lançamento dos discos Dookie, do Green Day e Smash, do Offspring, que juntos venderam quase 20 milhões de cópias somente nos EUA. Outros lançamentos que foram importantes nos anos de 94 / 95 e que ajudaram nesta mais nova explosão do punk rock e hardcore no mundo foram: Punk in Drublic, do NOFX; ...And Out Come The Wolves, do Rancid; Stranger Than Fiction, do Bad Religion e About Time, do Pennywise.
Enquanto isso, no Brasil, grupos como Raimundos e Planet Hemp também estouravam no cenário nacional, de forma independente, com um som fortemente influenciado pelo hardcore, mas com uma sonoridade própria. Enquanto os Raimundos misturavam forró com hardcore, o Planet Hemp utilizava elementos do Rap e do Hip-Hop, sendo bastante influenciado por grupos como Beastie Boys, Public Enemy, Cypress Hill e Rage Against the Machine.
Outro fator a favor desta popularidade do hardcore melódico na segunda metade da década de 90, e interessante de ressaltar, foi o começo da inclusão de muitas músicas dessas bandas nos filmes de surf daquela época. Isto ajudou a fazer com que um público de fora do meio punk / HC passasse a conhecer as bandas e o estilo. A rapidez e a agressividade das músicas se encaixavam perfeitamente com as manobras que os surfistas realizavam nas ondas. Filmes como Campaing, Focus e Momentum I e II, produzidos pelo cinegrafista Taylor Steele, e que traziam como trilha sonora bandas como Pennywise, Bad Religion, Sublime, No Fun At All, Blink 182 e muitas outras.
Aqui no Brasil, um país em que era difícil de encontrar discos destas bandas e que dificilmente se ouvia músicas desses grupos nas rádios; além de ser uma época em que poucos tinham acesso a internet e quase não se baixava música; muitos descobriram muitas dessas bandas citadas nesta matéria, através destes filmes ou de coletâneas lançadas pela Revista Fluir. Uma dessas pessoas é este que vos escreve.

O Disco Pennybridge Pioneers

Mas voltando ao tema central desta matéria, em julho de 1999, um mês antes de entrar em estúdio para a gravação do quarto disco, o Millencolin lança The Melancholy Collection, que como o próprio nome já diz, é uma compilação que traz os dois primeiros EPs, b-sides dos singles, músicas raras e outras que nunca haviam sido lançadas em disco.
Em agosto daquele ano o Millencolin sai pela primeira vez da Suécia para a gravação de um disco. O grupo vai para Hollywood, na Califórnia, para gravar no estúdio Westbeach Recorders, de propriedade do dono da Epitaph e guitarrista do Bad Religion, Brett Gurewitz, que também foi o produtor deste disco do Millencolin. Neste estúdio foram gravados grandes clássicos do hardcore, como os álbuns: Suffer (1988), No Control (1989) e Against the Grain (1990), do Bad Religion; o primeiro e homônimo disco do Pennywise, de 1991; e Robbin' the Hood (1992) do Sublime.
Após três discos com uma sonoridade bem hardcore e com algumas influências do skacore, também em naquela segunda metade da década de 90, era hora do Millencolin diversificar e buscar novas influências para a sonoridade do grupo.
Pennybridge Pioneers foi lançado no dia 22 de fevereiro de 2000 e foi o primeiro disco do Millencolin a ter o lançamento simultâneo na Europa, pela Burning Heart e nos EUA, pela Epitaph. O disco foi o primeiro do Millencolin sem nenhuma música com uma levada mais skacore. O disco já começa a mostrar a sonoridade que a banda viria a buscar em seus próximos álbuns, que são marcados por uma pegada mais rock do que o hardcore do início da carreira.
O cd começa com o principal hit-single do álbum, a música “No Cigar”. Talvez a mais conhecida do Millencolin, pois ela faz parte do jogo de videogame Tony Hawk Pro Skater 2. A primeira música do disco já mostra uma sonoridade diferente. O som é pesado e rápido, mas é mais rock do que hardcore. Difícil de lembrar os discos anteriores. O que nos faz associar que este é um disco do Millencolin é o vocal inconfundível de Nikola Sarcevic.
“Fox” vem em seguida e é a faixa mais divertida de Pennybridge Pioneers, além de ser um dos melhores videoclipes do grupo também. Ela narra a estória de como Nikola Sarcevic comprou sua Lambreta Scooter, a relação de amor que ele tem pelo veículo, e o quanto ela é invocada e má.
“Material Boy” é uma das poucas que tem uma levada mais hardcore. É uma crítica a sociedade materialista e de consumo, uma crítica bem-humorada e divertida. “Eu comprei um novo Imac e um mouse / um telefone para ir com meu novo espírito / Próxima parada pode ser minha casa: seis camas e uma piscina só pra mim / Eu viverei como um Czar, o “papo” do mendigo não será ouvido / Eu terei um barco, televisão nova e um carro / E em minha boca um grande cigarro cubano”
Logo depois de músicas mais divertidas e com letras mais descontraídas, vem “Duckpond”, com um instrumental mais cadenciado e um refrão pesado. Com letra mais reflexiva, até depressiva em alguns momentos, revelando um desânimo com a rotina, a vontade de deixar algum lugar que se está preso, mas sem ter forças e possibilidades de deixá-lo.
“Right About Now” é outra com uma pegada hardcore. Rápida e direta, com apenas 1m48s, Nikola Sarcevic canta sobre a necessidade amadurecer, ganhar dinheiro, a vontade de viver a vida e atingir os objetivos.
“Penguins and Polarbears” é a sexta faixa do disco e foi o primeiro single do disco, sendo lançado no dia 24 de janeiro, quase um mês antes de o álbum chegar às lojas. Outra faixa que aponta um caminho diferente que a banda estava pretendendo seguir, buscando uma sonoridade mais rock, assim como a próxima faixa, “Hellman”, que alterna momentos mais pesados e outros mais cadenciados.
Na sequência temos duas faixas com o hardcore bem característico do Millencolin, com variações de ritmos, alguns momentos mais rápidos e outros mais lentos. A primeira é “Devil Me”, com letra bem divertida, em que Nikola Sarcevic canta diversas coisas relacionadas à sua vida, o que gosta de fazer, ouvir, esportes preferidos, entre outros. “Stop to Think” começa mais rock, mas no refrão a faixa ganha aquela velocidade do hardcore melódico que marcou os três primeiros do grupo. 
“The Mayfly” é a décima faixa do disco, que começa a chegar ao final. Um bom rock, com ótimos riffs de guitarra, bateria pesada, um bom refrão e um lindo solo de guitarra, um dos poucos do disco.
“Highway Donkey” mantém a variação entre rock e hardcore da faixa “Stop to Think”. Enquanto que a música seguinte, “A-Ten”, é um bela canção sobre a perda de um amor e o quanto a falta da pessoa amada é sentida. Ela é como se fosse um diálogo de Nikola Sarcevic com o ouvinte, como se fosse uma ajuda que os músicos tivessem tentando dar a um fã que possa estar passando por isso. “Esses últimos meses tem sido os mais desagradáveis de sua vida. / Você perdeu alguém que amava. / E não há dor pior que esta. / Você sabe a intimidade que vocês dois tinham. / E a diversão e sentimento que compartilhavam”.
“Pepper” é outro hardcore rápido,de apenas 1m48s, coincidentemente o mesmo tempo de “Right About Now”. Com instrumental divertido, ela prepara o terreno para a última música “The Ballad”, que como o próprio nome diz, é uma balada, com certeza uma das músicas mais ousadas na carreira do grupo e uma das mais belas também. Com início acústico, ela possui uma letra depressiva, que fala sobre um garoto que é o excluído da turma da escola, que está sempre sozinho, “O último escolhido para o jogo de bola. / Ele nunca recebeu um convite. / Não apreciado, é apenas seu primeiro nome. Ele é o "bode expiatório" da classe. / Não há amigos pra alegrá-lo, nem garotas, nem romance doce”. “Você sabe quem é aquele cara? / Que está completamente sozinho. / Você se importa o suficiente pra ver? / Ele está em dor e sofrimento.”
Você se lembra dele? Você era ele? Acredito que muitos fãs se identificaram com essa música quando a ouviram pela primeira vez, no já longínquo ano 2000.
Pennybridge Pioneers é um disco que pode ser considerado como um divisor de águas na carreira do Millencolin. É que determinou os rumos que os músicos seguiriam nos próximos discos, um caminho de distanciamento do hardcore melódico e as misturas com o ska dos três bons primeiros trabalhos da banda. Pennybridge Pioneers é o grande clássico do Millencolin e merece esta tour mundial de comemoração de 10 anos.

As cinco melhores:
1 - The Ballad
2 - No Cigar
3 - Fox
4 - A-Ten
5 - Duckpond

11.11.2010

Jello Biafra and The Guantanamo School of Medicine – Teatro Odisséia - 09/11/2010

Não é todo dia que uma lenda do punk rock toca em sua cidade. E para paulistas e cariocas isto aconteceu neste início de novembro com os shows de Jello Biafra, ex-vocalista do Dead Kennedys, proprietário do selo Alternative Tentacles e grande ativista político. Acompanhando o músico, sua mais nova banda, a The Guantanamo School of Medicine, que formou em 2008 e lançou em 2009 o elogiado disco “The Audacity of Hype”. Em São Paulo os shows ocorreram nos dias 5 e 6 e no Rio de Janeiro, no dia 9. Dias históricos, que ficarão na mente das pessoas que estiveram presentes nas apresentações.
Contudo, está não foi a primeira vez que Jello Biafra passou pelo Brasil. Em 1992, ele esteve presente no Rio de Janeiro para a ECO 92, Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, que reuniu as principais figuras políticas da época. Jello Biafra esteve na cidade para fazer protestos contra o evento, mas acabou tocando algumas músicas no Circo Voador com alguns integrantes do Ratos de Porão, Sepultura e Ministry, além de ter participado também de um show do grupo francês Mano Negra, na Praça dos Arcos da Lapa. Na época o grupo estava realizando uma turnê pela América Latina e tinha como um dos seus principais integrantes o vocalista e guitarrista Manu Chao.
Mas voltando a 2010, na noite de terça-feira, 9 de novembro, no Teatro Odisséia o clima entre os presentes era de ansiedade e felicidade. Mas antes da grande atração da noite, teve-se a apresentação de duas bandas cariocas Priest of Death e Os Estudantes.
A primeira a subir no palco foi a Priest of Death, que começou a apresentação com um público ainda pequeno. Mesmo com um som mais voltado para o trash metal, destoando um pouco do clima hardcore da noite, o grupo agradou boa parte dos presentes, executando músicas do mais recente trabalho deles, o EP “Soluções Violentas”.
Com a casa já mais cheia, veio em seguida Os Estudantes, que foram capa do mais famoso fanzine punk do mundo, o Maximum Rock n Roll, na edição 327, lançada em agosto de 2010. Com um som fortemente influenciado pelas bandas de hardcore norte-americanas da década de 80, agradaram em cheio ao público, que já insinuava algumas rodas de pogo em frente ao palco. Destaque para a grande presença de palco do vocalista Vitão, que agita o tempo todo, pulando, rolando no chão e berrando as músicas como se fosse o último show de sua vida. O grupo teve o privilégio de ter como espectador o Jello Biafra, que curtiu o show do mezanino.
Após o show dos Estudantes, o clima de ansiedade aumentou entre os presentes e casa lotou de vez, atingindo um público estimado de 800 pessoas. Com clássicos punks saindo dos PA´s, rodas de pogo já começavam a se formar e muitos cantavam junto as músicas, enquanto alguns integrantes do grupo e o roadie começavam a prepara o palco e os instrumentos para a grande festa punk que iria começar.
Às 23 horas as luzes do Teatro Odisséia se apagam, os músicos começam a entrar no palco e a pegar seus instrumentos. Quando os primeiros acordes de “The Terror of Tinytown” começam a ser executados Jello Biafra sobe ao palco vestido de médico, com uma camisa branca e as luvas sujas de sangue. O público vai ao delírio, rodas de pogo começam, stage dives insanos e o caos empolgante, que só encontramos nos shows de punk / hardcore, têm seu início e vai assim até o final. Só sendo interrompido entre uma canção e outra, quando Jello Biafra entoa seus discursos políticos de extrema esquerda, principalmente contra os EUA e as grandes corporações.
Na sequência vieram mais três músicas do disco de Jello Biafra com a Escola de Medicina de Guantanamo, que são: “Clean as a Thistle”, “New Feudalism” e “Electronic Plantation”, que mantêm o alto nível de agitação do público. Mas é com a clássica música do Dead Kennedys, “California Über Alles”, que veio logo na sequência, que a casa vem abaixo, com uma roda gigante e a galera cantando a plenos pulmões toda a letra que é uma critica ao antigo governador da Califórnia, Jerry Brown, durante os anos de 1975 a 1983.
Ao final de “California Über Alles”, o público começou a pedir “Police Truck”, outro clássico dos Dead Kennedys, mas Jello Biafra avisa que adora as canções antigas, mas que ainda sabe fazer boas letras e boas músicas, dando início a “Panic Land”, outra do disco “The Audacity of Hype”. Depois dessa sequência inicial matadora, Jello Biafra já está sem a camisa branca e as luvas de médico, usando agora outra camisa que estava por baixo, com os dizeres: “Democracy, We Delivery”.
Nesta primeira parte do show ainda tivemos “Let`s Lynch the Landlord”, outra grande música dos Dead Kennedys, “Three Strikes”, “Strenght Thru Shopping”, “Don`t Com Monte Carlo”, encerrando com “Pet`s Eat Their Master”, uma das melhores do último disco, que teve todas as nove músicas incluídas no set list.
A banda ainda voltaria para mais três bis, com duas músicas em cada e em que os principais destaques foram “Holiday in Cambodia”, em que um fã pulou do mezanino direto no meio da roda e Jello Biafra arriscou alguns stage dives, mostrando estar em forma aos 52 anos; e “To Drunk to Fuck”, em que, no seu tradicional discurso antes das músicas, disse que: “nada aconteceu depois desse encontro de políticos, porque eles estão sempre bêbados demais”. Estas duas músicas contribuíram para aumentar ainda mais o caos insano que se tornou o Teatro Odisséia durante o show.
A última música deste grande espetáculo de punk / hardcore, em plena terça-feira, foi “I Won`t Give Up”, que Jello Biafra dedicou a Renato Russo, amigo que lhe hospedou durante a primeira passagem pelo país em 1992. Durante esta música Jello Biafra voltou a arriscar alguns stage dives e ao final, após quase duas horas de show, agradeceu muito ao público do Rio de Janeiro, que retribuiu com diversos aplausos, felizes e gratos por terem presenciado um dos melhores shows do ano e das próprias vidas.

Set List:
1- The Terror of Tinytown
2- Clean as a Thistle
3- New Feudalism
4- Electronic Plantation
5- California Über Alles (Dead Kennedys)
6- Panic Land
7- Let’s Lynch the Landlord (Dead Kennedys)
8- Three Strikes
9- Strength Thru Shopping
10- Dot Com Monte Carlo
11- Pets Eat Their Master

Bis
12- The Cells That Will Not Die
13- Holiday in Cambodja (Dead Kennedys)

Bis
15- Too Drunk to Fuck (Dead Kennedys)
16- Bleed for Me (Dead Kennedys)

Bis
17- Moon Over Marin (Dead Kennedys)
18- I Won’t Give Up

Fotos: Rodrigo Esper (Publicadas no site - Rock em Geral)

11.02.2010

Jair Naves – Araguari (2010)

Depois do anúncio do fim, em janeiro de 2009, de uma das melhores bandas surgidas no Brasil nesta última década, o Ludovic, Jair Naves (vocalista e letrista do grupo), passou aquele ano trabalhando em uma carreira solo que começou a ser divulgada no início de 2010, com o lançamento do EP Araguari (Travolta Discos), que também é uma cidade do interior de Minas Gerais, onde o músico nasceu e passou boa parte da infância. O grupo que acompanha Jair Naves (voz, violão, guitarra, baixo e sintetizadores) neste EP é formado por Alexandre Xavier (piano), Júlia Frate (Voz) e Mark Paschoal (bateria e voz).
O disco traz quatro excelentes músicas, com melodias mais suaves, tranqüilas e limpas, diferente do Ludovic, que tinha uma sonoridade mais pesada e distorcida. As letras são autorais e confessionais, abordando temas como desilusão amorosa, paixão doentia, arrependimentos, inocência perdida, saudades de situações vividas (Mas eu sinto saudade da nossa banda / de cada palco em que eu pisei, de cada nota que eu cantei), saudades da infância (as crianças da nossa rua já não somos nós) e, principalmente, recordações da cidade natal do músico.
A primeira música do EP é “Araguari I (Meus Amores Inconfessos)”, que começa com uma bela introdução de piano e ao fundo pode se ouvir um diálogo e gritos retirados do filme O Caso dos Irmãos Naves, sobre o caso de dois irmãos, Sebastião e Joaquim, que confessaram um crime que jamais cometeram, foram presos, torturados e mortos, durante a ditadura militar.
Quando se encerra o diálogo, começa uma batida densa e forte da bateria que acompanha o piano, até a entrada do violão acústico, que dá início a melodia base da música, que logo na sequência é acompanhada pela voz grave e sofrida de Jair Naves. Não há variações na melodia, a base segue a mesma até o final. Uma bela canção, que fala da saída do cantor de Araguari, ainda novo e com vontade de enfrentar o mundo; o retorno e a saudade da cidade natal; reflexão sobre as situações que viveu; saudades da infância, dos sonhos, amores inconfessos e bandas com a qual tocou.
Na sequência, tem-se a música mais bela e triste feita neste ano de 2010, “Silenciosa”. Ela é sobre o fim de um amor, de um relacionamento. Um fim consensual, civilizado, sem discussões e com um sentimento de culpa. Um lamento pela perda das forças em continuar lutando por esse amor, uma lamentação por acreditar que “Se não deu certo com a gente / acho que nunca vai dar”. Aqui, Jair Naves expõe o sofrimento que sente pela solidão vivida por não compartilhar mais as situações que vivia e compartilhava com a pessoa amada: “A cama ficou espaçosa / nosso quarto ficou mais frio / a casa, silenciosa, / não me serve como abrigo”.
“Silenciosa” tem um arranjo simples e bonito, com apenas violão, piano e voz. Aqui o principal destaque é o dueto vocal de Jair Naves com Júlia Frate (que também aparece fazendo belos backing vocals nas outras três faixas do disco).
A terceira faixa é “De branquidão hospitalar, queimando em febre, eu me apaixonei”, que se diferencia das outras faixas, por ser a mais pesada do disco, começando com uma batidas seca de bateria e uma linha de baixo forte, com a entrada do teclado na sequência, que dão um clima pós-punk fortemente influenciado pelas bandas da década 80. Aqui sai o clima de desilusão com o amor e o relacionamento, registrado na faixa anterior, para a entrada de uma paixão doentia por outra pessoa.
A última música do EP, “Araguari II (Meus dias de Vândalo), talvez seja a mais ambiciosa do grupo, possuindo mudanças de andamento, alternando momentos mais calmos, porém densos, com o vocal grave e forte de Jair Naves contrastando com a voz bela e suave de Júlia Frate; com outros mais pesados e vocais um pouco mais agressivos; terminando com apenas voz, guitarra e piano, com Jair Naves cantando de forma sombria o seguinte lamento: “Talvez fosse preferível / que eu nunca tivesse saído / de onde eu nasci, / de Araguari”.
Com apenas quatro músicas, todas muito boas, sendo difícil apontar qual é a melhor, o EP Araguari, deixa o ouvinte com aquela vontade de ouvir mais músicas desta nova fase da carreira de Jair Naves. A espera não deve ser muito longa, já que, em recente entrevista ao site da Ideal Shop, o músico afirmou que tem planos de lançar um disco com 11 ou 12 músicas em 2011. Vale a pena esperar para conferir o próximo trabalho deste que é um dos melhores compositores de sua geração.

Faça o download do EP Araguari no site de Jair Naves no Trama Virtual:
http://tramavirtual.uol.com.br/artistas/jair_naves
Ou ouça as músicas no Myspace do artista:
http://www.myspace.com/jairnaves

Track list:
1 - Araguari I (Meus Amores Inconfessos) - 4:48
2 - Silenciosa - 5:18
3 - De branquidão hospitalar, queimando em febre, eu me apaixonei - 3:44
4 - Araguari II (Meus dias de Vândalo) - 6:12

 

Letras das Músicas:

Araguari I (Meus Amores Inconfessos)
As lembranças que eu guardo de Araguari
resumem-se ao dia em que eu fugi
caçado de perto por uma multidão
decidida a fazer justiça com as próprias mãos

Ecoavam sermões pelas ruas dormentes
ninguém larga tudo impunemente
o abandono é a pior traição
no fim das contas, hoje eu te dou razão

Em minha defesa, eu apelo ao óbvio:
eu era novo e sem temor,
eu tinha o mundo ao meu dispor
Só que a vida passou e eu caí em nostalgia
mesmo de coisas que eu mal vivi,
o que dizer da inocência que eu deixei em Araguari?

Araguari, o que foi que aconteceu?
Fui eu que te perdi ou você que me perdeu?
Foge à minha compreensão,
mas eu te dou razão

Fato é que eu não sou mais quem eu era antes
eu voltei envelhecido e hesitante
Hoje eu que cuido dos meus pais
e as crianças da nossa rua já não somos nós

Mas eu sinto saudade da nossa banda
de cada palco em que eu pisei, de cada nota que eu cantei
E ainda me dá um nó na garganta
pensar nos sonhos que eu sonhei,
na leveza dos amores que eu desperdicei

As brigas que eu comprei,
Meus amores inconfessos,
Os sonhos que eu sonhei...

Silenciosa
Passou, passou
Um dia eu me conformo
e paro de me culpar
Passou, acabou
Sabe quando você sente que não vale mais a pena lutar?
Se não deu certo com a gente, acho que nunca vai dar

Passou, passou
Um dia eu me acostumo
e paro de te importunar
Passou, acabou
Sabe quando você sente que não vale mais a pena lutar?
Se não deu certo com a gente, acho que nunca vai dar

Prometo que eu não demoro
quando eu estiver pronto, eu te aviso
Se bem que eu não me incomodo
pode ir agora que eu já não ligo
Só vê se não esqueceu nada
e vê se não volta mais
Enquanto eu não me recobro,
enquanto eu não estiver bem, em paz

A cama ficou espaçosa
nosso quarto ficou mais frio
A casa, silenciosa,
não me serve mais como abrigo
E foi consensual
nós nem sequer discutimos
Tudo tão civilizado
nem parecia comigo

Nossos amigos ainda questionam o que foi dessa vez
qual a gota d’água, como eu consegui
afastar você de mim

Deve haver em tudo isso alguma lição
algo a ser aprendido, uma compensação
para o quanto nós nos ferimos

Passou, passou
Um dia eu me conformo
e paro de te culpar
Passou, acabou
Sabe quando você sente que não vale mais a pena lutar?
Se não deu certo com a gente, acho que nunca vai dar

De branquidão hospitalar, queimando em febre, eu me apaixonei
No cômodo abafado, de branquidão hospitalar
via-se um mar de rostos borrados tentando te acordar
Você zombava desse empenho, da proteção que eu ofereci
um demônio enfermo de quem eu não consigo me despedir

Delirante, queimando em febre, você buscou a minha mão
A esse poder que você exerce eu nunca soube dizer não

Ela reagiu como se possuída
por um espírito ruim
Dizendo “prepare-se pra uma guerra, eu não respondo mais por mim”
E eu, tão impressionável,
me apaixonei
Eu me apaixonei,
eu me apaixonei

O que eu mim você reconhece, eu reconheço em você (não estou só)
O gosto da sua pele, as fraquezas que eu tento esconder (não estou só)

Quando eu menos esperava, a vida não falhou em me surpreender (não estou só)
Nada mais me entristece agora que eu encontrei você (não estou só)
Quando eu menos esperava, a vida não falhou em me surpreender (não estou só)
Nada mais me entristece agora que eu encontrei você (não estou só)

Araguari II (Meus Dias de Vândalo)
Como eu me defendo desse sentimento de inadequação
Que me destrói por dentro, pro qual eu não vejo explicação?
Bandeira a meio mastro, um afago áspero, a voz do cantor
Eu criei um certo faro para esse tipo de enganador

(Graças a você)

Ladeira abaixo, assim foi dito
uma obra-prima de eufemismo
para as dores da inaptidão,
para o sufocante calor da afobação
Ninguém imagina o que eu enfrentei
o quanto doeu, o quanto eu rezei
minha reza de ateu
num desespero que eu nunca me atrevo a demonstrar

Bêbada e vingativa,
o amor como eu o conhecia
de peito estufado, cheia de si
cantando em copos por aí
na madrugada eterna e ardente
que te deixou toda em carne-viva

Uma adoração inconcebível (em mim você devia confiar)
todo o amor que me é possível (eu vejo tanto de mim mesma em você)
recolhido, quieto, ensimesmado
meu refém conformado e imperturbável
na madrugada eterna e ardente
que me deixou todo em carne-viva

Agora, convenhamos: eu nunca me expus tanto, você nem pra impedir
Com todo esse alvoroço, eu só engoli meu almoço, não senti gosto algum
A torneira que eu esqueci aberta não tardou a inundar todo o prédio
mas eu sobrevivi, eu sobrevivi

O tempo que a gente passou aqui morando de favor
nos tornou parte da mobília sem valor
na percepção pobre e turva daquele que nos abrigou

E foi nesse corredor que eu vi o fantasma de um senhor
e de um labrador
magro, manco e ameaçador
Eu é que não vou me meter com esses dois

Nem queira saber o que eu ambiciono,
o que me mantém vivo, porque eu não cedo ao sono
Eu te aconselho: nem queira saber

Assim que os meus dias de vândalo terminarem,
eu sei que me levarão pro céu
E farão com que eu narre os meus escândalos
sem que eu me gabe,
com o constrangimento abatido de um réu
Talvez fosse preferível
que eu nunca tivesse saído
de onde eu nasci,
de Araguari

11.01.2010

Zander - Brasa (2010)

Uma das principais críticas que são feitas ao trabalho de Gabriel Zander como músico são as de que suas bandas são muito parecidas com o Noção de Nada, grupo que liderou por mais de uma década e que encerrou as atividades em agosto de 2007.
Realmente é difícil não se lembrar do Noção de Nada quando se houve o primeiro full-lenght do grupo Zander, já que as letras de Gabriel são caracterizadas por temas pessoais e ele foi e é, respectivamente, o principal compositor das duas bandas. Outro ponto similar, e que é inevitável não associar, é o vocal de Gabriel, que é forte e bem peculiar, apesar de estar menos rouco do que em outros registros; além da sonoridade continuar sendo influenciada, principalmente, pelo hardcore.
Mas deixemos as comparações de lado, porque o Noção de Nada já não existe mais e o Zander já tem três anos de estrada, dois bons EP`s (Em Construção de 2008 e Já Faz Algum Tempo de 2009), uma carreira crescente no rock independente nacional e o lançamento de um dos melhores discos de 2010, Brasa, que traz onze faixas gravadas no estúdio Superfuzz, no Rio de Janeiro e que foi lançado pelo selo Manifesto Discos, os dois de propriedade dos integrantes da banda.
O disco abre com uma pequena vinheta, uma antiga marchinha de carnaval em que são cantados os seguintes versos: “Seu delegado venha ver que confusão / estão mandando brasa no meio do salão”. Na sequência, uma batida forte de bateria e riffs de guitarra marcantes dão início a uma das melhores músicas do disco “Auto Falantes”. E logo de cara eles já mostram que o negócio aqui é rock pesado, tanto na sonoridade quanto nas letras, pedindo para o ouvinte em um dos versos “Põe no máximo até distorcer / quando for possível me ouvir dizer”; para em seguida expor o objetivo de suas letras “Eu não prometo nada / nem estou aqui para dizer o que se deve fazer / Apenas mostro os cortes pra não perder o foco e a direção”.
A segunda música é “Terreiro”, que tem alguns momentos com um instrumental mais cadenciado e outros de mais peso e velocidade. Na sequência vem a primeira música sobre estar na estrada, “Linha Vermelha”. A letra começa como se fosse um diálogo com os fãs, contendo agradecimentos por acreditarem no grupo, por pedirem shows e “evitar o fim”. Levada hardcore, simples, pesada e rápida. Mas a melhor sobre este tema é “Até a Próxima Parada”, quinta faixa do disco e que começa com Gabriel cantando “Estamos de partida e nunca é fácil de dizer: ‘Até a próxima, foi bom te ver!’”, só com guitarra e vocal. Fala das dificuldades e alegrias que uma banda independente encontra durante as turnês.
Entre estas duas, temos a faixa “Todos os Dias”, mais uma das que se destacam no álbum, com uma das melhores letras e arranjos instrumentais. “Motim” é a sexta faixa e traz uma sonoridade forte, introdução com um interessante solo de guitarra, uma levada reggae próxima do final e uma letra contestadora e contra o sistema.
“Meia Noite” vem na seqüência. Tem uma levada post-hardcore, fala sobre relacionamento e tem uma sonoridade que alterna momentos mais cadenciados e outros com guitarras mais pesadas. A melhor do disco. “Humaitá” é um hardcore veloz e pesado, com uma quebrada no meio antes dos versos finais e “Simples Assim” tem uma introdução interessante só com a guitarra e possui algumas melodias mais radiofônicas.
As duas últimas faixas são a bela balada “Sunglasses”, a primeira música do Zander em inglês, e a hardcore “Sem Fim”, que tem no final uma passagem instrumental muito interessante, parecendo uma pequena jam session. Para encerrar o disco, mais um pequeno trecho da marchinha de carnaval que abriu o disco.
Brasa é mais um dos grandes lançamentos nacionais do ano. Com o Zander executando um hardcore de qualidade, com intensidade e sinceridade, características difíceis de encontrar hoje na música. Não baixe apenas as músicas da internet. Vale a pena adquirir o disco pela qualidade das músicas e pela arte gráfica, bem caprichada, que traz uma bela capa e um bonito encarte.

Para baixar o disco Brasa e os EP´s Em Construção e Já Faz Algum Tempo, acesse a página do Zander no site Trama Virtual:
http://tramavirtual.uol.com.br/artistas/zander

Track List:
1. Auto Falantes
2. Terreiro
3. Linha Vermelha
4. Todos Os Dias
5. Até a Próxima Parada
6. Motim
7. Meia Noite
8. Humaitá
9. Simples Assim
10. Sunglasses
11. Sem Fim

As cinco melhores:
1 - Meia Noite
2 - Auto Falantes
3 - Sunglasses
4 - Até a Próxima Parada
5 - Todos os Dias